lundi 28 novembre 2011

Desmobilizados...

O dia mais duro é o seguinte...

Não mais se combate com armas, mas a violência permanece, palpável, pesando no oxigénio que se respira.
Armas caladas, botas enlameadas, colunas vergadas sob o peso crescente da desilusão.

Asfixia normal, diz-se, numa geração nascida sob pressão.
Outras guerras sem mercê se travam, sacando suspiros de uma dor que nenhuma bala é capaz de infligir.



Filhos de uma geração de Idealistas, ninguém os preparou para tão dura realidade; e os que acreditaram absorver para si os males, deixando campo aberto para a Esperança, hoje choram sem Lágrimas o medonho Futuro dos seus...

Desencantados soldados desmobilizados de um exército disperso e amnésico, que esqueceu o porquê da sua luta...

mercredi 23 novembre 2011

NÃO POSSO COM O LIVRO DO KALAF...

Glenn
pelos nossos kotas criativos
Kalaf
17/11/11*

...pelo único e simples facto que GOSTARIA DE TER SIDO EU A ESCREVÊ-LO! É que, a bem dizer, o livro está muito forte!

Começa pelo título, uma autêntica provocação lançada aos editores, leitores e todos os outros "ores" que o virem na prateleira de uma livraria. Quem é que ele se julga, para limitar o seu livro aos meninos de cor? Ou serão as estórias de amor nele retratadas que lhes são específicas? Mas que raio quis ele dizer com «Estórias de Amor Para Meninos de Cor» ? Será que ele se deu conta que no livro dele quase (só lá bem prá frente, e mesmo assim não sei se é de amor que se trata) não há qualquer tipo de alusão a um qualquer envolvimento amoroso, dado que quase não há personagens DE TODO?  Que his/estória vem a ser esta? 

Aqui, as estórias acabam por falar de um amor maior do que a mera paixão que liga dois indivíduos; fala do amor pela cidade de Lisboa, por Berlim, por Londres, pelas viagens, pela descoberta, pela(s) língua(s), pela música, pela moda, pelo estilo, pela art de vivre, pela própria vida...

 Este livro é, a meu ver, o ponto de vista de um cosmopolita, de um viajante no espaço e no tempo. Entre memórias e impressões, poesia em prosa e interrogações, duras realidades e divagações, Kalaf Ângelo demonstra que, apesar de ser um angolano com muito orgulho, é antes de tudo um cidadão do mundo. O seu olhar crítico, enriquecido pela sua experiência, é muito subtil. Um raio X do seu mundo tão particular, é o que nos propõe nestas saborosas páginas de crónicas, à partida escritas para o Público, agora tornadas acessíveis a todo um outro público... Não é o Kalaf dos Buraka nem da Enchufada, não é o Kalaf de Benguela nem de Lisboa, não é o Kalaf de Luanda... eu diria que nestas estórias entrevê-se um Kalaf visto de dentro. Entramos no seu quarto, na sua sala, na sua cozinha, na sua mala, e com ele somos transportados um pouco por toda a parte, desde a imobilidade preguiçosa de um Feriado aos animados palcos do mundo inteiro, passando pelos bancos inconfortáveis da sala de espera do SEF... 

Mais do que um compêndio de escritos publicados individualmente durante três anos, este livro é... UMA ATITUDE!

E para concluir redundantemente, exprimo o meu sentimento em relação a esta obra com um dos meus aforismos preferidos:

Oscar Wilde: "I wish I had said that."
Whistler: "You will, Oscar; you will."









*E se não o disse/ escrevi, fica o consolo do autógrafo, que em si só faz sentido quando autenticado pelos poucos segundos de prosa trocados, que originaram a sua singularidade. E se não te disse na hora pois nada sabia dos teus escritos, hoje, percorridas dezenas de páginas da tua vida interior, envio-te, amigo e errante colega, os meus sinceros parabéns, e um grande, grande

OBRIGADO, SIM!

mercredi 16 novembre 2011

Embriagado Poeta...


Certo tempo, em certa sanzala, certo Homem deambulava. Como ausente de si mesmo, proferindo palavras apenas para si compreensíveis. Ou se calhar só por si escutadas... Grande orador descredibilizado pelo seu hirsuto aspecto, pelos seus imponentes andrajos, pela sua fiel companheira de vidro já sem rolha, mas jamais vazia... Apesar de tudo, era ainda assim portador de uma certa majestade, marca de idos tempo em que se supõe que tenha sido "gente"; Grande postura de filósofo errante, olhos brilhantes como cobre, estranhamente acesos numa figura há muito apagada... O espesso casco do calcanhar acusava o cansaço de inúmeras travessias pelo mundo fora. Deleite das crianças do musseque, personificação convincente de um papão meio temido meio zombado, lá ia ele, destilando enigmas aos quais ninguém prestava atenção, pois invariavelmente acompanhados de um bafo considerado propício ao devaneio.


"A Alma!... a reconstituída Alma, incompleta... gema concêntrica do ser... apenas almeja aquilo de que carece... Tinheis razão, grande Aristófanes! sem Ela, Ele não é! O que é Ela se dEle ausente? e nem Deus nem Diabo, nem Homem... saberão satisfazer... este infindável poço... Gentil não sei... mas quando te partiste, oh! Alma!... aquando da tua Génese... Tornaste o caminho em tormento... como outros em vinho transformaram o lamento..."


O que podia ele esperar de tal verborreia, senão divertidas gargalhadas, provocações infantis e um camuflado escárnio por parte dos adultos?...
Não era raro que, para contrariar o tédio, algum vizinho juntasse um séquito para interrogar o esfarrapado erudito a propósito de tudo e do seu contrário. As suas respostas provocavam sempre a mais pronta hilaridade dos que, não alcançando o sentido mais profundo de suas palavras, as tomavam por demência e senilidade.


Mas eis que um dia, em nada diferente dos outros, se calou a voz do venerável ancião.Ele levantou-se de sua cubata, e cumpriu a sua rotina como se nada fosse, deambulando entre as poças, contemplando as mais grotescas cenas da vida da sanzala, desde lutas de vizinhas a fuga de caloteiros, de brincadeiras de criança a ruidosas disputas de casais. Ele lá estava, alma penada entre os vivos, presença apenas traída pelo forte odor a álcool exalado, pois o habitual discurso secara como riacho no deserto... Nos primeiros dias ninguém notara, mas passadas semanas, tornou-se gritante a ausênca dos seus poemas sem sentido, das suas digressões halucinadas, dos seus discursos em línguas alheias...


"Mais velho, mais velho! Nunca mais falaste aquelas tuas coisa..."


Como única resposta, um olhar perdido no horizonte... Por vezes o esboço de um sorriso. E meses se passaram, e o mendigo permaneceu mudo. Como se o desperdício de verbo durante anos o tivesse definitivamente remetido ao silêncio. Como se, cansado, depois de nunca ter economizado na fala, as suas cordas vocais se tivessem esgotado. E a sanzala ressentiu-se da mudança. Outrora alegre, ritmada pelas divagações daquele que se tornara o seu ilustre cartão de visitas, foi toda a comunidade que, com o seu silêncio, perdeu a fala...


Passaram-se anos assim, antes que o velho, que compensava em entrada de álcool o que não mais saía de palavras, morresse sozinho, longe dos olhares que entretanto acabaram por dele se desviar. Os vizinhos, que o conheceram naquele musseque durante mais de vinte anos, tiveram ali a primeira ocasião de entrar na sua humilde cubata, e aí descobriram vestígios de outra vida. Não havia metro quadrado de parede que não tivesse um livro, não se dava um passo sem pisar numa folha manuscrita, numa caligrafia impecável, de senhor importante, incompatível com o lugar onde jazia inanimado no meio de tais tesouros...


O que diziam tais papéis que pareciam importantes, jamais se saberá. É que nenhum dos muitos vizinhos, que sempre fizeram pouco caso do excêntrico avôzinho, tinha instrução suficiente para decifrar os muitos escritos. Alguns concluiram que eram estudos importantes de algum doutor que, de tanto pensar, perdeu a razão. Outros ainda falaram de Memórias de algum ilustre personagem que ele teria sido, como atestavam as fotografias amareladas de sua juventude que aqui e ali foram encontradas, com rabiscos, datas e carimbos... Era um homem estudado, um homem esclarecido, um homem "que não pertencia àquele musseque", foi a única conclusão unânime dos moradores daquele bairro de lata. E secretamente, a maioria lamentou não ter dado ouvidos às muitas e enigmáticas palavras que ele quotidianamente dispersava na poeira quente daquela que foi a sua última morada...

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‎"embriagado Poeta que fala de amor na sanzala
embriagado Poeta que fala de amor na sanzala
ele fala ninguém escuta, ele cala lhe perguntam...
ele fala ninguém escuta, ele cala lhe perguntam..."

Paulo Flores, in Boda

lundi 3 octobre 2011

Good Wife Workshop - manual de sobrevivência para futuras noras angolanas!


Fase I - Namoro e Apresentações



Lição 1: primeira impressão junto da SOGRA potencial



Digamos que o casal A & B conhece-se há algum tempo, e depois de um certo tempo de namoro (que varia consoante as pessoas, as situações, os objectivos), começa a ter um relacionamento mais sério. Está na altura da fatídica apresentação às famílias! Um momento em aparência "inocente" pode determinar o futuro desta relação, pois é certo e sabido que em qualquer cultura que seja, há sempre uma jogada estratégica essencial para a paz dos lares: AGRADAR À SOGRA!



Claro, pode-se adoptar a postura "és tu que eu amo, é a tua opinião que conta, o resto não tem importância", mas isso é tapar o sol com a peneira! todos viemos de algum sítio, e isso condiciona SEMPRE onde e COMO vamos em frente na nossa vida. A família africana é uma unidade que se estende muito além da trilogia Mãe- Pai- Filhos. Negar isso é candidatar-se a uma vida de conflitos totalmente desnecessários, pois basta ter-se a inteligência de contornar certas "armadilhas" para se ter a futura família "no bolso"!



Portanto, a apresentação à família. Se para os homens trata-se de uma formalidade (tem que se mostrar responsável, bem intencionado, e capaz de manter uma família), para as mulheres a coisa é bem mais complexa. É que as mães africanas esperam que a mulher que eles escolheram seja capaz de tratar deles tão bem quanto elas o fizeram. Se tem a pretensão de provar à futura sogra que é capaz disso, JÁ PERDEU! Na sua óptica, NINGUÉM É CAPAZ DE CUIDAR DO SEU FILHO TÃO BEM OU MELHOR DO QUE ELA O FEZ! Afinal de contas, ela dedicou 20 ou 30 anos da sua vida a fazê-lo, não é performance que se iguale em 6 meses de namoro! Neste caso, a candidata tem que se mostrarDEDICADA (eu tento fazer tudo para cuidar bem dele), HUMILDE (sei que tenho muito a aprender consigo, futura sogra, pois fez um trabalho excepcional - mesmo que não ache, e que ao contrário, pense que a "mamã" mimou DEMAIS o seu filhinho, que agora pensa que vai ter as mesmas mordomias que teve a vida toda!!!) e acima de tudo, PRENDADA!


Chegue à frente da sua futura sogra com 3 licenciaturas, 4 mestrados, 2 PhDs de Harvard e ela dirá: "vá lá, não é analfabeta..." Mas o que importa mesmo, é dar provas em actos da predisposição de que tanto falou de cuidar BEM dele. Mostrar-se voluntária, oferecer-se para qualquer lide que seja necessária, chegar com um bolo feito pelas suas mãos (ou seja, pela sua própria mãe ou avó), mostrar-se disponível, amável e atenta às necessidades do seu querido (não se preocupe, que no primeiro encontro a mãe do mesmo há de querer mostrar-lhe que ela é que controla a cena, portanto basta oferecer-se para fazer para ser bem vista. Mas ao segundo encontro vai mesmo ter que fazer...).

Para resumir, chegue bem arranjada (evitando roupa de discoteca, de preferência), mostre-se amável, sorridente, interessada ("como é que ele era quando era pequeno? qual é o prato favorito dele? ele sempre foi assim distraído/ cabeça no ar/ resmungão/ desorganizado?"), deixe a conversa fluir e esteja pronta a levantar a bandeja e levar para a cozinha sem terem que lhe "pedir" com o olhar, e normalmente, o primeiro teste está mais ou menos passado (com a sogra nunca se sabe...)


dimanche 1 mai 2011

Quem tem Mãe...


Mãe. Uma palavra de 3 letras. Um mundo, um universo, para qualquer filho. Seja qual for a relação, sejam quais forem as desavenças, as dificuldades de comunicação, os choques de geração, os desafios da vida de família, MÃE É MÃE! Não adianta entrar em generalidades nem em casos particulares, todos nós, salvo infelizes excepções, carregamos em nós os valores, a protecção, a compreensão e o amor incondicional de uma Mãe, cujo sacrifício por nós começou bem antes de nos ter posto neste mundo. A relação estabelecida desde o cordão umbilical, esta ligação que apenas circunstâncias extremas deveriam ser capazes de romper, tem que ser celebrada, reforçada, perpetuada sempre que possível...

Por ter a sorte de ter uma Mãe que lutou, e luta, sofreu e sofre, combateu e combate pelo bem estar, pela felicidade dos seus filhos, eu sei que sou uma pessoa extremamente privilegiada. Pela adição de mil e um pequenos "nadas" que fazem um "tudo", que dão sentido a tudo, e sem os quais, "tudo" não seria nada... OBRIGADO, Minha Velha! Todos os dias me ensinas a ser o melhor Homem possível. Apesar das lágrimas, preocupações, noites em claro, chatices, tu SEMPRE estiveste presente. Não há palavras para agradecer, para retribuir à altura do sacrifício, e se Mãe é a profissão mais ingrata do mundo, espero que por vezes, de vez em quando, tenhas algumas razões de pensar que o teu sacrifício não foi em vão. Porque não foi.

lundi 17 janvier 2011

Camisola sem cunho procura identidade desportiva...

(Renard -raposa em francês- e Puma já se retiraram. Restam as palancas indefesas face aos apetites de outros predadores...)


Junho 2006. Mundial de Futebol Alemanha. Momento mais alto do futebol angolano. A selecção Nacional participou na festa, depois de ter conseguido qualificar-se com esforço notório e mérito. Apesar de termos saído na primeira volta da fase final do torneio, o desempenho dos nossos Palancas foi bastante honroso. O Primeiro jogo contra Portugal foi perdido por inexperiência e um certo nervosismo. Os empates contra o México e sobretudo contra o Irão deixaram-nos algo frustrados, mas confiantes de que havia ali margem para progresso, e quem sabe, um dia participaríamos regularmente no Campeonato mais visto em todo o planeta.

Janeiro 2010. Depois de laboriosas fases de qualificações para o Mundial na África do Sul, Angola não conseguiu a sua passagem para a Primeira Copa disputada no Continente. Resta-nos o prémio de consolação, a organização da Copa de África das Nações. Como País anfitrião, tivemos o povo todo atrás de nós, de Cabinda ao Cunene, Angola vibrou futebol! Infelizmente, depois da qualificação para a segunda fase da competição, perdemos num jogo de eliminação directa contra os Ghaneenses, finalistas dessa edição. Porém, mesmo nos jogos da primeira fase, em particular no jogo contra o Mali, pôde-se identificar algumas lacunas no jogo angolano. Desconcentração, falta de rigor defensivo (um jogo em que se está a ganhar por 4-0 a 30 minutos do fim, acabar 4-4 é pura e simplesmente uma DERROTA!) e sobretudo uma ligação difícil entre as linhas defensivas e ofensivas. Um meio campo deficiente no futebol de hoje não perdoa, e contra o Ghana, foi fatal.

Janeiro 2011. Depois de um ano de 2010 atribulado (3 treinadores, Manuel José, Hervé Renard e Zeca Amaral, dois dos quais sairam por não ver as suas exigências junto da Federação satisfeitas), a Selecção de Angola de Futebol conhece enfim o nome do seleccionador que os vai tentar levar ao próximo CAN: Lito Vidigal. O porquê desta instabilidade parece ser uma grande desorganização da Federação Angolana de Futebol, a incapacidade desta de mobilizar os seus meios de maneira a optimizar as diferentes fases de construção de um futebol Nacional à altura das ambições claramente e abertamente declaradas. Detecção de talentos, centros de formação equipados, formação de técnicos, o que reverteria a médio prazo na melhoria do nível de competitividade do campeonato nacional. E quem diz competitividade, diz vontade de dar o seu melhor, de se superar, de evoluir. Na falta de tal, a equipa nacional deixa de suscitar entusiasmo, e isso reflecte-se nas audiências, nos debates gerados à volta dela.



Último golpe duro para os Palancas: a Puma não renovou o contrato que os unia, alegando vendas insuficientes de produtos com a efígie da Palanca. Se mesmo em tempo de euforia máxima, com o mundial e o CAN organizado a domicílio, foi difícil para a marca vender os seus produtos por causa da contrafacção existente no País, com uma equipa a atravessar uma crise desportiva, não se podia esperar milagres. Em 2006, comprei em Paris a camisola de Angola numa loja Puma. A pura. Original. acredito que os preços praticados pela Puma comparados com os 5 dólares a que se vendiam as cópias na rua também não ajudaram. Mas a verdade é que, enquanto não se vir o futebol em Angola como algo SÉRIO, inclusive em termos de receitas (já que, se todo mundo não é adepto de desporto, todos falamos a língua do dinheiro!), vamos ter sempre um Campeonato Nacional incapaz de rivalizar com os melhores do continente, e uma equipa Nacional sem expressão ou identidade desportiva, à mercê de mercenários e/ou curiosos, que ouvindo a fama dos petro-dólares de Luanda, vêem na oportunidade de treinar os Palancas um meio de enriquecimento expresso! Vamos lá ter mais amor à camisola, e dar ao futebol angolano a sua chance de sair do chão para atingir, ou pelo menos aproximar-se das estrelas...

mardi 11 janvier 2011

O preço de um melão, parte II


(para ler a mensagem, clique na imagem)


Que diferença entre "Infelizmente não podemos fazer milagres" e esta resposta, rabinho entre as pernas, quase desolado por ser "obrigado" por 7 clientes que só consomem deste melão, a importá-lo, pouco importem os custos... Coitadinho dele, que só quer agradar o cliente...

Isto apenas demonstra que este tipo de gente só respeita quem se faz respeitar, e por isso temos que nos fazer respeitar mais do que nunca!

Senhor Catalo, ao seu caso havemos de voltar...

lundi 10 janvier 2011

o preço de um melão, sintoma de um mal mais profundo...


Para quem é angolano, pensa em kwanzas, esta foto é chocante. Para quem não sabe o câmbio, aqui vai: 9803 Kwanzas equivale a pouco mais de 100 USD.

Chocado pelo preço exorbitante de um mero melão, um internauta escreveu para a Casa dos Frescos, estabelecimento onde foi tirada a foto aqui acima, perguntando o porquê do mesmo.
Assim começou uma novela cujo fim ainda está por escrever. Aqui vão os primeiros capítulos:

Estimado senhor Catalo,

Faço parte dos muitos angolanos que, preocupados com a qualidade de certos produtos de consumo, essencialmente alimentares, encontram na loja dos frescos uma alternativa em aparência viável. Os preços são por vezes ligeiramente, por vezes bastante superiores aos praticados em outros estabelecimentos da capital angolana, mas muitos de nós nos dizemos: "é o preço da tranquilidade, da segurança de ter produtos à altura das nossas expectatitvas". Num país que viveu tantos anos com enormes privações devido ao contexto político-militar, foi sempre uma preocupação da classe média à qual pertenço não baixar por demais a fasquia no que diz respeito à qualidade do que consumimos. Encontra-se nos mercados da cidade produtos mais ou menos frescos, mais ou menos bons, porém, não temos sempre uma fiabilidade sobe a proveniência, uma traçabilidade total do produto.

Nesse contexto, alguns de entre nós, para os produtos mais sensíveis, optam por fazer um esforço financeiro suplementar para ter essa tranquilidade de espírito.
Porém, há limites. Há limites no que se pode impôr aos consumidores, em termos de preços, sob pretexto que a qualidade fala por si. Não sou o primeiro, sei disso, a dirigir-me a si a propósito do "melão de ouro". Tive mesmo acesso à sua resposta a uma das pessoas que lhe escreveu a interrogá-lo sobre o porquê de um preço tão elevado por um melão. Se me permite, retomo aqui na íntegra a sua explicação:

«Sr A_________

Junto envio os custos do “melão de ouro”

Melão casca de Carvalho de AlmeirimEuro
Custo em Portugal1,88€
Frete TAP7,8€
9,68Euro
9,68 x 1,35 = 13,07 usd per KG = CIF
CIF13,07
Direitos +custos despacho3,27
16,34Custo em armazém
1,63Peso de embalagem "paletes e caixas" 10%
17,97Preço liquido em armazém

Margem 33,5%
Preço de venda 24usd / kg = 2352kz / kg

Agora ainda não estão incluídos os custos de embalagens local nem a possibilidade de quebra do produto (que é alta), pergunto, 33.5% é alto para um produto que é perecível????

Agradeço o reenvio de este e-mail com os custos do “melão de ouro” a quem enviou este e-mail.

Infelizmente não conseguimos fazer milagres.

Melhores cumprimentos

Rui Catalo»

Sr. Catalo,

A sua explicação detalhada do preço do melão, apesar de aparentemente justificada, não me convenceu. Primeiro por causa da sua manipulação ardilosa de valores e cifras. começa por preços em euros, para preços em dolares, seguido de valores sem cifra... sem, a momento nenhum apresentar as taxas de conversão correspondentes. se é assim que apresenta as suas contas, espanta-me que não tenha tido problemas com a fiscalização mais cedo.

Admitindo que se tratem de números exactos, o senhor como comerciante aceita de bom grado investir na importação de um produto que acaba por custar ao cliente angolano 40 vezes mais do que lhe custou a si? acha coerente esta lógica económica? (claro que acha, vendendo um melão recupera o investimento na compra e importação de 5, logo, tudo o que vem depois disso é lucro puro!!!)

Senhor Catalo, o seu procedimento, o seu raciocínio faz nos pensar que sim, o senhor consegue fazer milagres, pois a multiplicação exponencial dos seus lucros (e quem fala de um melão poderia falar de muitos outros produtos sobre avaliados no seu estabelecimento) é algo de absolutamente fora do comum! Mas a culpa não é sua, o senhor aproveita as falhas, e aninhou-se numa anfractuosidade do sistema que lhe permite praticar tais preços em total desprezo pelas leis da concorrência, pois sabe que a SUA clientela não vai prescindir do seu estabelecimento.

A culpa é nossa, consumidores angolanos, que, por querermos um minimo de garantias no respeitante à qualidade dos produtos que consumimos, principalmente tratando-se de perecíveis, estamos à mercê de mercenários como o senhor, que vê em nós e muito justamente uma fonte de enriquecimento rapidíssima! Continue a fazer o que faz (não lhe ocorreu importar melões de mais perto, a custos menos importantes, afim de poder satisfazer o seu bolso e o dos seus clientes... que, se satisfeitos, VOLTARÃO!) mas tenha pelo menos a decência de não achar que está a lidar com analfabrutos, que com par de palavrinhas e cálculos de apoticário, põe no "devido lugar". Mal sabia o senhor que estava a mandar a sua resposta a um importador, que também se vê confrontado à dificuldade de trazer para Angola produtos de outra natureza mas com igual preocupação de qualidade.

Sr. Catalo,

Como eu, como o Sr Alexandre, há dezenas de pessoas a reagir em redes sociais, em conversas pela cidade, pelo mundo fora, pois isto é algo que choca verdadeiramente a sensibilidade de qualquer pessoa que viva do seu salário, que tenha noção do que custa ganhar 100 dolares para os gastar de uma vez num perecível, num mero e simples melão que lhe custa 1,88€... Sei que compreende a nossa indignação, pois se hoje é importador, um dia já foi mero consumidor, e já barafustou para com os seus botões contra o custo da vida, contra a discrepância entre os aumentos dos preços e a pouca valorização do TRABALHO em Angola, que a poucos e raros permite viver com dignidade e algum desafogo. Se teve o privilégio de nunca ter tido esse "problema de pobre", certamente há de conhecer alguém que o tenha vivido. Não lhe peço "milagres". Não lhe peço mudanças, pois o senhor está inserido numa lógica económica que, enquanto funciona, e enquanto não lhe são pedidas contas por quem de direito quanto ao preço que pratica por um melão (seja ele um senhor melão de 4 kgs!), não tem razões para mudar. Quero apenas dizer-lhe que, como eu, como os demais a quem chegou e fiz chegar a informação sobre o "melão de ouro", há toda uma franja da poulação, activa, honesta, trabalhadora, sacrificada, que não quer continuar a sofrer os efeitos desta especulação sem nome, de que certamente não é o único culpado, mas um cúmplice e beneficiário.

Espero que esta mensagem lhe chegue clara e límpida, na certeza porém de que ela não comporta qualquer animosidade dirigida à sua pessoa, apenas retrata o sentimento de muitos angolanos em relação ao que se passa no nosso País.

Cordialmente,

RB

jeudi 6 janvier 2011

Caipirinhas, Bairro Alto e Noites de Inverno...







Certas coisas dispensam comentários e longos discursos. Lisboa. Bairro Alto. Rua da Atalaia. nº43. A Capela. Paulo Flores e Eduardo Paim. Um grupo de jovens angolanos, que cresceram ao som destes dois gigantes da música angolana. Conexão à terra. Comunhão pela música. MAGIA!



lundi 3 janvier 2011

Sangue no algodão, katana na mão...


"Oh! Pátria nunca mais esqueceremos
Os heróis do 4 de Fevereiro
Oh! Pátria nós saudamos os teus filhos
Tombados pela nossa independência (...)"

Angola Avante, Hino Nacional da República de Angola


Durante o período colonial, Angola era um "país" exportador de café e algodão. Eram mesmo os seus principais recursos naturais, a exploração de petróleo e diamante tendo sido deliberadamente "contida" por Portugal. A região de Malange, rica em solos férteis e de clima ameno, era um dos principais pólos de produção destas duas matérias primas. Diz quem conheceu a bonita província nos anos 50-60 que eram cafezais sem fim, campos de algodão até onde a vista pudesse alcançar... A linha de caminho de ferro Luanda - Malange encarregava-se de escoar a mercadoria até à capital, de onde era exportada para todo o mundo. Na altura, a Cotonang era bem mais poderosa que a Diamang. O peso económico da primeira era incomparável ao da que posteriormente se tornou a Endiama, hoje um dos pilares que sustenta a balança comercial angolana.

Não foi, portanto, de ânimo leve, que os dirigentes da Cotonang em Kassange receberam as reivindicações dos seus trabalhadores, a 3 de Janeiro de 1961. Estes exigiam o fim do trabalho forçado, melhores condições de trabalho, tratamento humano para aqueles que quebravam o dorso na plantação para o enriquecimento alheio. Como resposta, o exército colonial dizimou o que se acredita ter sido mais de 10 000 agricultores, calando assim uma revolta que vinha no pior dos momentos; os clamores de insurreição contra outras potencias coloniais estavam no auge, e a administração acreditava que se não calasse aquele movimento a tempo, a contagião seria depois impossível de evitar. Ao tentar fazer da repressão da Baixa de Kassange um exemplo dissuasivo para outros possíveis "rebeldes", os colonos conseguiram exactamente o contrário. Organizados já em movimentos, partidos, grupos de reflexão dentro e fora do território angolano, os tão temidos "rebeldes" apenas viram nesse acto uma última confirmação de que a solução para o problema de independência e auto-determinação de Angola não seria pacífica. O sacrifício daqueles trabalhadores que pediram um pouco de Humanidade e receberam balas em retorno reforçou a motivação dos combatentes pela Liberdade. Um mês depois, a 4 de Fevereiro, deu-se o assalto à cadeia de São Paulo para libertar os prisioneiros políticos, e este foi o ponto de partida da Luta Armada de Libertação.

Na qualidade de "Jóia do Império Ultramarino Português", Angola não podia DE MANEIRA NENHUMA cair nas mãos dos "indígenas", era uma fonte de rendimento colossal que Portugal não se podia permitir perder. Foi pois "para Angola, rapidamente e em força", que foi mandado o maior contingente militar português; foi pois Angola a ex-colónia portuguesa que pagou o maior tributo em vidas humanas à guerra pela Independência. E se os movimentos já existiam desde os anos 50, foi a partir de 4 de JANEIRO de 1961 que apareceu como inevitável a guerra como meio de alcançar a tão desejada auto-determinação, e o direito de um povo de dispor dos seus desígnios, da sua terra.
O massacre da baixa de Kassange foi o primeiro episódio da última fase da Luta pela Independência das colónias portuguesas. Os heróis do 4 de Fevereiro jamais serão esquecidos. Relembremos também os de 4 de Janeiro...