jeudi 25 novembre 2010

Mo Povo Luta... hoje contra si próprio!


Não, não vou falar do Leggezin Fin, rapper angolano que está nos States a fazer música com o RZA, dos Wu Tang Clan, cujo título do single inspirou o deste post. Isso será o objecto de um próximo texto. Tou aqui pra falar mesmo da luta do meu povo pela dignidade, pelo reconhecimento, pelo respeito. Um povo sofrido e sacrificado, que por causa da guerra se deslocou, se desenraizou, se perdeu na luta pela sobrevivência. Hoje, já em Paz, está na hora de reconstruir o País, de sarar as feridas, de regenerar o Povo e o sentido de quem nós somos.

Nesse contexto, todos os vectores de comunicação devem ser postos à disposição "do Povo pelo Povo", ou no caso, pelos representantes do Povo. Angola é um País com mais de 50% da sua população analfabeta. Cabe pois aos órgãos de comunicação e difusão massiva levar a cabo uma missão de educação, de informação, de auxílio aos poderes públicos, afim de serem utilizados como ferramentas neste combate. Mas é com grande pesar que constato que, ao invés disso, a televisão e a rádio servem para a difusão do que de pior existe.

De entretenimento sem qualidade a escassez de verdadeiros programas de sociedade, educativos, que promovam debates e reflexão, nos quais se exponha algo mais que frivolidades, novas danças, festas "faladas", a televisão e a rádio públicas em Angola estão à procura de uma identidade, cedendo às sirenes da globalização para importar conceitos e formatos sem se preocupar com a REAL REALIDADE do País e de quem vê televisão em Angola. Na falta de programas que façam eco aos seus problemas, ao seu quotidiano, o radio-tele-espectador angolano vira-se para a solução da fuga, optando por canais estrangeiros, importando assim ainda mais modas e façanhas que só vêm adulterar e confundir as mentes dos que menos armas têm para descodificar o que vêem.

Um exemplo concreto que me revoltou: "Do Cambuá", do denominado DeGala, representante mais recente do que de pior se faz no mundo do kuduro no Marçal. Quem é o angolano que não conhece hoje esta triste música e a sua ainda mais infame dança? Segundo o "cantor", é a música que tá tocar mais, "tá tocar tá tocar na rádio mais..." Não tenho nada contra o kuduro, é um divertimento como outro qualquer, e até há alguns de que gosto, por serem engraçados, por terem uma letra retratando situações caricatas, terem um ritmo apelativo, e uma energia característica da música angolana... Não sou apologista de dizer que os kuduristas são os legítimos representantes da cultura angolana actual. Tenho que reconhecer que representam uma fracção da população, representam um movimento nascido nos musseques angolanos e que foi ganhando amplitude até tocar todos os estratos sociais, e por conseguinte É CULTURA ANGOLANA, cultura (sub)urbana ou o que for, mas é música feita com base em realidades angolanas. Mas daí a eu me sentir representado por "mostrá tudo, mostrá..." o caminho ainda é longo... Há tempos vi no facebook um vídeo do Paulo Flores a falar à televisão portuguesa aquando da sua recente vinda à capital portuguesa para dois concertos, e tive orgulho de o ouvir falar, expressar-se sobre diferentes temas da actualidade, e disse para mim mesmo: "um artista não pode viver na sua redoma, ele tem que retratar, sublimar, extravasar aquilo que ele vê, sente e fantasia sobre a sociedade, mas de maneira consciente e voluntária." O DeGala, como a maioria dos kuduristas, envergonhar-me-ia se falasse para o microfone de um media estrangeiro, pois poucos são os que fazem mais do que tentar uma macacada que vire moda. Metade não sabe escrever, e 4/5 do resto mal sabe falar seja que língua for, quanto mais ser representante da cultura Angolana!

Não tenho uma visão elitista da arte, apenas acho que certas músicas são arte, outras são obras de um infeliz concurso de circunstâncias. Do Cambuá pertence à segunda categoria, inegavelmente!

Do Cambuá é uma música com letra que não faz sentido, com uma dança promíscua e degradante para quem a pratica como para quem vê E aprecia, e no entanto é a grande febre que se apoderou das ondas radiofónicas e televisivas angolanas. POR FAVOR!!!!!
Não que seja um exemplo isolado no mundo, se pensarmos bem, a mapuka, dança da Côte d'Ivoire, também se assemelha a esta, assim como certas maneiras de dançar ragga (alguém se lembra dos clips da Patra que só passavam TAAAAAAAAAARDE de madrugada, na Mtv?); mas não é porque o fenómeno existe noutros sítios que o devemos encarar como "normal", ele é apenas sintomático da forma como as sociedades que geram tais fenómenos lidam com assuntos sérios como a dignidade, o respeito pelo corpo, pela mulher, a libertinagem e os valores morais essenciais. Uma sociedade onde "do Cambuá" é considerado NORMAL, é uma sociedade doente, uma sociedade que confunde dança e fornicação, uma sociedade onde a sensualidade é posta de parte em benefício da bestialidade.

Como é que podemos ver tamanha baixeza na nossa televisão a hora de grande escuta e não ficar revoltados? Com uma população que adere ao que vê na televisão à velocidade da Luz, esta não lhe propõe descobrir livros, melhorar o seu nível de cultura, de linguagem, de gramática... NÃO! Em vez disso vamos pôr as nossas meninas de calções curtos, mãos no chão e cú pro ar, vamos dar do Cambuá, porque é essa realidade que se quer para uma determinada camada da população. Pra quê educar a população dos musseques, pra quê dar-lhes ferramentas pra exigirem mais, pra quererem aceder àquilo que NÓS temos, tendo assim que vir a partilhá-lo com eles? Não! fiquem onde estão que estão muito bem!

Pão e Circo? QUAL QUÊ! BIRRA E CIRCO, isso sim! Muita kapuka, muito kimbombo pra regar as frustrações, e vamos lá esquecer os problemas do dia com um do Cambuá... é muito engraçado vermos as filhas dos outros nessa postura indecente, até vermos as nossas próprias filhas a quererem seguir esses infelizes exemplos, pois parece tão normal para todo o mundo que elas não vêem mal nenhum, inocentes que são...

"Há muita coisa difícil nessa vida pra fazêre... mas a dança do Cambuá é tão fácil..." Fiquemos então pela facilidade, Angola. É a história da cigarra e da formiga. Dancemos sem saber porque dançamos, o que dançamos, preocupemo-nos só com o bem que nos faz dançar hoje. As consequências serão bem piores do que foram pra coitada da cigarra...

"Bebi pra afogar as mágoas, mas elas aprenderam a nadar..."
Filipe "Ruff" Cardoso


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P.S.: a televisão brasileira, que tem fama de veicular todos os vícios e perversões, cachaça Carnaval e mulheres nuas, tem este tipo de spots educativos, lúdicos e fáceis de apr(e)ender. Pode parecer pouco, mas se nós tivessemos esse pouco, já seria muito e mais do que aquilo que nos propõe a nossa televisão nacional. AH! Este spot é da Globo, televisão privada...

2 commentaires:

  1. Realmente amigo Felipe, tenho de te dar os parabéns por tamanho comentário sobre a decadência da sociedade Angolana com os ditos kuduros. Eu não acho graça a nada e nunca achei...Acho deprimente a sociedade engolir apenas aquilo que lhes apresentam, sem bases nenhumas, nada de se aproveitar para instruir a população, mas sim para torná-la ainda mais burra do que já é...Enfim, meu caro, acho que muitos são aqueles que precisam de abrir os olhos e ver que o mundo não gira em torno das danças apresentadas pelos kuduristas...quando isso acontecer, talvez se consiga fazer algo pelo nosso país...tão rico e tão pobre ao mesmo tempo...está dado o meu contibuto...

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  2. Caro Ricardo, Vou levar a caricatura, porque ilustra perfeitamente o ridículo vendido como Ascenção cultural das massas.

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