vendredi 20 septembre 2013

Considerações Muito Pessoais Sobre a Minha Angola

Mais uma vez, e para não variar, as notícias vindas de Luanda são preocupantes e tristes. Manifestações, violência, provocação, intimidação. desinformação. Sobretudo desinformação. Entre os orgãos noticiosos que se revelam mudos e outros que reportam com sensacionalismo, ficamos sem saber onde se situa a verdade, se é que apenas uma verdade existe em situações do género. "Violência policial", "manifestações ilegais", "resposta justificada", "tentativa de tumulto", "detenções arbitrárias", "desaparecimento de manifestantes"... Manipula-se o número de manifestantes, uns minimizando, outros exagerando; especula-se sobre o número de vítimas, o seu estado, o paradeiro de alguns, a identidade dos "instigadores da violência", uns dizem bater para manter a ordem, outros dizem ripostar a violência arbitrária e institucionalizada... 

Prezo muito a apolitização do meu blog, e penso ter a capacidade de escrever sobre assuntos de sociedade que a todos dizem respeito sem receber um rótulo. Espero de antemão que não me acusem de estar a fazer política "disfarçada", porque, se o tema que abordo é usado e recuperado para fins políticos por inúmeras pessoas e grupos, eu contento-me de partilhar a minha opinião. Ao fim ao cabo, tudo é, directa ou indirectamente, política. A nossa postura de cidadãos, a expressão das nossas opiniões ou o contributo que damos (ou não) para melhorar uma situação que nos incomoda, revolta ou com que simplesmente discordamos, É POLÍTICA. A nossa pertença a um grupo familiar, categoria socio-profissional, o nosso local de residência, É POLÍTICA. Todos estes elementos, por mais que nos pareçam naturais e desprovidos de qualquer revindicação, definem sem pensarmos sequer, a nossa posição na sociedade, e aquilo que lutamos para preservar ou mudar. Se eu viver num lugar onde tenho água e luz todos os dias, tiver um emprego que me permita sustentar o meu lar condignamente e fazer planos para o futuro, boas escolas para os meus filhos, se tiver, em suma, um nível de estruturação máximo, que razões terei eu para manifestar? 

Lembro-me que em França, nos tempos em que lá estudava, havia muitas greves de professores em zonas onde os liceus tinham uma grande falta de meios materiais e humanos, em zonas onde as dificuldades sociais eram bastante acentuadas. Do alto dos meus 15 ou 16 anos, lembro-me ter tido a seguinte  reflexão: "é normal que o meu liceu não faça greve, aqui não temos problemas". Tínhamos excelentes professores, excelentes instalações, uma biblioteca internacional riquíssima (onde lia o Herald Tribune para ver os resultados da NBA), um ginásio próprio (quando muitos liceus usavam os municipais, e deparavam-se com problemas de calendário de utilização dos mesmos). Aquelas greves não eram nada connosco. Por esta simples reflexão, sem dar por isso tomei uma posição. Muito mais tarde, muitas greves depois (vive la France!) e após muita, muita reflexão  e alguma experiência de vida, compreendi a complexidade da situação, e o porquê de alguns se tornarem solidários com situações que (ainda) não lhes tocavam directamente. Porque o cerne da questão é esse: vermos uma injustiça, onde quer que ela seja, e virar a cara, dizendo: "não é nada comigo" é de certa forma darmos o nosso aval para que ela continue. 

Mas voltemos à nossa querida Angola. De há uns anos pra cá, tem crescido a expressão de um descontentamento com a situação social de muitos cidadãos no nosso País. Esta expressão tem passado, maioritariamente e no caso que interessa aqui analisar, por manifestações, que se querem de cariz pacífico. Manifestações previstas e enquadradas pelo Artigo 47 da Constituição da República de Angola. Quer se queira quer não, as manifestações têm acontecido. é um facto. O Problema é que têm sido marcadas por episódios violentos, que uns imputam aos outros e vice-versa. Os "revus", cujas revindicações contra o Governo no Poder vão quase sempre no sentido de exigir a substituição do Presidente da República, acusam a polícia e grupos "mandados" de darem início às hostilidades, de forma a discreditá-los, e justificar a resposta, já que um dos pressupostos para que estas manifestações aconteçam dentro da legalidade é que elas sejam pacíficas; a polícia acusa os "revus" de serem desordeiros, e terem no seu seio pessoas com comportamentos perigosos e nada pacíficos, que dão início aos confrontos e os obrigam a responder para manter a paz e ordem no espaço público. E com este jogo de atribuição de culpas em forma de espiral infinita, não se apuram verdades, não se resolvem problemas, não se credibiliza nem um lado nem o outro. E quem perde é o povo angolano. 

A este ponto, já pouco ou nada me interessa quem tem razão ou quem está errado. Esta situação não beneficia a absolutamente ninguém. Não vamos construir uma Angola nova se não tivermos todos a mente aberta para a diversidade de situações existentes. Existem situações sociais muito difíceis. Existe um grande fosso entre os ricos e os pobres, e a indignação destes é legítima e normal. Existe uma camada da população que se sente negligenciada, excluída dos planos de crescimento e desenvolvimento do País; que espera mais, muito mais do Executivo em termos de infraestruturas,  saúde, educação. Muitos contestam as escolhas feitas em matéria de investimento, já que estimam que as necessidades mais elementares devem ser as primeiras a receber resposta. Por outro lado, Angola só está verdadeiramente em Paz desde 2002. Angola sofreu com a guerra muitos e graves abalos a todos os níveis, seja nas infraestruturas, capital humano, capacidade de produção. O que tem sido feito, por pouco que pareça ser, tem contribuido para melhorar as condições de vida dos angolanos. E é nesse sentido que temos que levar a carruagem, todos. Cada um contribuindo como pode, com o que pode. Cada um fazendo a sua parte, cada um trazendo a sua capacidade e força de vontade, numa óptica de real união e construção de um futuro melhor para todos.

As carências do nosso País hoje são muitas, e uma das principais, a meu ver, é a de capacidade de escuta. De tão habituados que estamos a viver num esquema de bi-polarização mais imposto do que natural, não encaramos o presente doutra maneira. É o "ou estás comigo ou contra mim". Não há espaço para o "temos ideias, experiências e visões diferentes, mas se queremos o mesmo para o País, vamos tentar unir esforços". Eu não sou apologista da voz única, nem da conivência que leva ao status quo e à estagnação. Mas convenhamos que o diálogo de surdos não faz avançar em nada o País em direcção a uma resolução eficaz e concertada dos problemas. 

Enquanto não nos soubermos ouvir, enquanto não soubermos construir pontes em vez de muros, enquanto não formos capazes de nos pôr no lugar de outrem e conferir alguma legitimidade às suas revindicações, sejam elas quais forem... Enquanto o diálgo se limitar à troca de acusações, insultos, galhardetes e baixezas, e não admitirmos sequer analisar a hipótese posta pelo oponente... Então seremos sempre marionetas em mãos alheias. Marionetas nas mãos daqueles que conseguirem plantar ideias na nossa mente, no nosso subconsciente amedrontado por atrocidades recentes, cometidas por  irmãos contra irmãos... Marionetas nas mãos de potências que avançam escondidas, mas com objectivos bastante definidos, usando o conhecimento que têm de nós, e que por vezes nos falta. O caminho ainda é longo antes de podermos dialogar; pois o diálogo pressupõe OUVIR ANTES DE FALAR. FALAR COM CONHECIMENTO DE CAUSA. ANALISAR O QUE SE OUVE E PESAR O QUE SE DIZ, COMO SE DIZ, A QUEM SE DIZ.

Se formos dialogar com medo de ferir susceptibilidades, ficarão coisas por dizer. Se formos com vontade de rebentar tudo e todos, faltará a melhor forma, que fará com que a mensagem seja ouvida, compreendida, assimilada. Mas antes de tudo, o que nós, angolanos, temos que compreender é que, pouco importa o que nos separa em termos políticos, sociais, económicos, étnicos ou religiosos, não devemos nunca perder de vista que o que nos une é - ou deveria ser -superior a tudo isso. É o nosso cantinho na terra. É a terra dos nossos antepassados. É este milhão duzentos e quarenta e seis mil e setecentos quilómetros quadrados de terra onde temos o DEVER de cohabitar harmoniosamente. É a nossa Nação, o nosso País, a nossa Mãe e Mãe das nossas Mães. Nunca devemos esquecer nos nossos pequenos confrontos, quão grande já é nem quão grande pode ainda vir a ser a NOSSA ANGOLA. Só depende de nós.

jeudi 5 septembre 2013

O (Tardio) Despertar Do Continente Africano



Sou angolano e amante de basquetebol. Por esta razão, os sucessos sucessivos da selecção nacional masculina foram, para mim como para milhões de angolanos, a árvore que esconde a floresta. Os títulos continentais foram vividos com imensa alegria e orgulho por Angola e o conjunto dos países lusófonos, mas a verdade crua e nua é bem mais aterradora do que gostaríamos: o basquete africano está mal. Alguns me dirão que exagero, tendo em conta uma série de condições que, evidentemente, influenciam a capacidade de cada Federação e equipa nacional a profissionalizar-se.


Não obstante qualquer argumento do género, o basquete africano ainda está muito balbuciante, quando teve tempo, oportunidade e momento para se tornar adulto, e assumir a sua inevitável ascensão para o concerto das nações, da mesma forma que já acontece com o futebol.
Tomemos como exemplo a selecção de Angola, a mais emblemática de África durante o último quarto de século. Desde 1989, data da sua primeira vitória no Afrobasket, os Palancas venceram 11 dos 13 campeonatos continentais em que participaram. Sucederam-se gerações de jogadores que fizeram por aplicar a filosofia instaurada ainda nos anos 80 por Vitorino Cunha, então treinador da selecção. Este compreendeu desde cedo que, com jogadores regra geral mais pequenos do que os adversários, Angola devia concentrar os seus esforços numa defesa agressiva e solidária, construindo os seus ataques a partir desta base sólida. Com a aplicação rigorosa deste princípio, e a aparição de alguns talentos individuais notáveis como Jean-Jacques da Conceição, Miguel Lutonda, Joaquim “Kikas” Gomes ou Carlos Morais, o resultado foi visível: 11 títulos continentais, 6 participações aos Mundiais, e 5 aos Jogos Olímpicos. 


 Porém, à medida que o tempo passou, notou-se na melhor equipa africana dos últimos anos (e a fortiori nas suas congéneres) uma dificuldade a ultrapassar um patamar a nível internacional. A melhor qualificação recente de uma equipa africana foi o décimo lugar obtido por Angola no Mundial de 2006 (se não contarmos o 5º lugar do Egipto em 1950, num formato de torneio a 10 equipas); Chegados aos 8º de Final, os Palancas foram derrotados por uma equipa de França que estava ao seu alcance, e com a qual fizeram jogo igual até aos últimos minutos do último quarto, inclinando-se 68-62 num jogo que provocou taquicardia a muitos adeptos, angolanos e franceses… Desconcentração nos minutos derradeiros, acumulação de jogadas individuais para tentar “resolver” o jogo, nervosismo, e finalmente, razões para lamentar que, depois de 15 anos a frequentar regularmente a nata do basquete mundial, se perca um jogo daquela maneira.


Dia 31 de Agosto de 2013, Angola venceu o seu 11º título de campeão africano sénior masculino de basquete. O Resultado final foi 57-40. Além do simples resultado, das vitórias, o que me pareceu mais marcante tanto para Angola como para o conjunto das equipas que vi jogar, foi a ingenuidade táctica. Poucas jogadas pareciam construídas, e nas que o eram, a selecção de lançamentos era amiúde precipitada; a circulação de bola em equipas como Angola é quase obrigatória, mas a Nigéria, que contava com jogadores fisicamente muito potentes, contentou-se de um run-n’-gun que desgastou os adversários mais fracos e morreu diante de adversários melhor organizados. Os lançamentos de três pontos foram usados de maneira abusiva, e mesmo equipas com bons atiradores acabaram os jogos com percentagens aquém das suas reais capacidades.


Tendo isto sido dito, não quero que o leitor fique com a impressão que foi tudo uma catástrofe, e que não existe basquetebol de qualidade em África. Existe E MUITO! Como prova o número crescente de jogadores africanos em clubes europeus e americanos. Alguns deles, como Al Faruq Aminu, Hasheem Thabit, Bismack Biyombo, apesar de terem papéis secundários nas suas equipas NBA, gozam de uma aura positiva nas selecções nacionais, e podem ter um papel importante na transmissão de valores profissionalizantes aos seus colegas. Tal como no futebol, foi preciso haver muitos jogadores africanos a evoluir nos melhores campeonatos europeus para as selecções nacionais beneficiarem dessa experiência e crescerem. No basket, desporto menos publicitado, menos apoiado, envolvendo menos dinheiro em relação ao futebol, este processo está a demorar, mas é quanto a mim inevitável. As federações, os dirigentes desportivos, as equipas técnicas têm que se dar os meios de ser ambiciosos. Mais ambiciosos. Mais do que têm sido até hoje. Para que em breve, se passe de 3 a 6 equipas a participar no Mundial. Para que exista uma verdadeira diversidade, paridade e competitividade no basquete mundial.


( Crédito imagem: "The African Basketball Player", by MrBaid3n. http://www.deviantart.com/art/The-African-Basketball-Player-216638647 )

lundi 1 juillet 2013

O Melhor Sítio do Mundo

O melhor sítio do mundo é o meu quarto. Mais, o melhor sítio do mundo é o Meu Quarto de Infância. Aquele onde transformava os meus medos em quimeras, o edredon em fortaleza intransponível. As paredes tinham a imensidão do Universo, e cada lápis desarrumado era uma história que se escrevia sozinha.  Mesmo partilhado, o Meu Quarto de Infância era o meu território, com fronteiras que só eu compreendia. Em dias de Paz, a partilha era total, as brincadeiras infinitas, mesmo depois do apagar da luz. Quando não, levantava a ponte levadiça e refugiava-me no meu forte, numa torre bem alta, num quarto no fundo do meu quarto dentro do Meu Quarto de Infância. E o espaço tornava-se infinito, e o mundo tomava outros contornos, e resumia-se àquele reduto. 



O melhor sítio do mundo é o Meu Quarto de Infância. E apesar de ter tido muitos, eram todos o mesmo, pois eu reproduzi-o exactamente idêntico, portanto nunca igual, sempre em expansão, quaisquer que fossem as superfícies reais. Não tive o meu quarto sozinho antes dos 20 e muitos anos, logo, tive que me habituar a transportá-lo comigo um pouco para além da infância. Um quarto silencioso, onde reinavam os meus rascunhos, autênticos storyboards da minha vida interior. Cultivei esse hábito, dos rascunhos, dos cadernos de rabiscos, de escritos e devaneios, até os tornar digitais, partilhando-os em blogs, sob uma forma mais "polida" do que aquilo que me permitia quando criança. Mas nunca me desfiz daquilo que mantém o meu quarto de infância intacto. A capacidade de me maravilhar com uma frase, com uma imagem, com uma ideia, e desenrolar o fio até obter algo meu, que me ocupa a mente, que me aquece o peito, e não me deixa esquecer que o quarto, hoje casa, vida, trabalho, responsabilidades, apesar de partilhado com um número incalculável de pessoas e complexidades, não deixou de ser só meu. 

A razão pela qual é o Melhor Sítio do Mundo é porque dentro dele eu posso ser eu mesmo, eu posso ser todos os meus eus! O EU heróico, capaz de todas as bravuras deste mundo, de enfrentar os piores monstros desta vida; o EU assustado, que precisa da protecção calorosa das muralhas dos lençóis, para não ver ou sentir a loucura do mundo lá fora; o EU arrogante, com a certeza própria à infância de ser único e inimitável, com a segurança e confiança naturais ao dono e Senhor do Domínio quase infinito sobre o qual reino; o EU sensível, apaixonado pelo ideal do amor, que se refugia no desenho, na música, na leitura, na introspecção, julgando-se ímpar num mundo  onde as crianças queriam ser adultos muito rápido... 

Algures em mim, está uma porta que me conduz directamente ao Meu Quarto de Infância. Ainda hoje não conheço a fórmula secreta, o encantamento que me catapulta para dentro dele. Um sentimento mais intenso, um medo mais irracional, um segredo que só a mim ouso revelar, e eis-me de novo no meio dos meus brinquedos (antes legos, hoje gadgets), cortado do mundo, enrolado como um feto, reescrevendo o meu prontuário emocional. É um lugar seguro, reconfortante, onde nada me atinge senão a imensidão do meus gritos interiores. E uma vez calados, redesenhados, esmiuçados... volto a pisar terra firme, embriagado da Paz que só a minha ilha deserta me proporciona. Volto ao mundo real, ao mundo dos loucos, que de tão lúcido, me querem fazer acreditar que o louco sou eu...

O Melhor Sítio do Mundo é o Meu Quarto de Infância. Que saudades, mas que saudades do meu...

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(Porque por vezes, quase sempre, a inspiração nos vem dos lugares mais insólitos... Pena que não é  MESMO sempre!)




A Hora do Regresso

É uma pergunta recorrente entre os angolanos fora do País: "quando é que voltas pra banda?"
A mim foi me feita vezes sem conta. Em Paris. Em Lisboa. Em Luanda. A verdade é que o movimento migratório inverteu-se estes últimos 11 anos, e mais ainda nos últimos 6 anos. "O País está bom!", "Volta já, não estás aí a fazer nada!", "A hora de apanhar os bons empregos é agora!"



Tudo isto são argumentos bastante válidos para convencer os muitos angolanos pelo mundo fora que o momento é este. Que o País, apesar das dificuldades que ainda tem, está mais capaz de absorver os seus filhos, e sem garantir, pelo menos propor mais oportunidades de trabalho e realização pessoal do que nos anos de guerra, em que se vivia um dia de cada vez. Em Angola hoje é possível sonhar, a economia vai de vento em poupa, somos o destino de eleição de muito expatriado, alguns até com veleidades um pouco fantasistas, julgando alcançar ali um El Dorado cujos contornos não são assim tão evidentes. E num contexto mundial de crise, onde o estrangeiro onde quer que seja, e sobretudo africano, é visto como o causador de todos os males, aquele que veio "roubar o pão dos Europeus" para falar de situações que conheço, é até uma questão de resgatar alguma dignidade, este retorno à terra que é nossa, onde, bem ou mal, estamos em casa.


Mas a verdade é que todo o angolano que viveu muito tempo longe do País, não deixou de viver. E como tal criou laços, algumas raízes, hábitos, amigos, família... Por isso não devemos, apesar de a tentação ser grande, tomar a parte pelo todo, e achar que existe uma fórmula para voltar para o País em três etapas. Cada um sabe o passivo que tem que gerir para esse regresso se passar da melhor maneira, pois será uma ruptura, quer se queira quer não; cada um sabe a que ritmo tem que o fazer, as condições que tem ou que conseguirá criar no País par voltar a construir uma vida do zero com alguma estabilidade, sobretudo que vai ter que se deparar com dificuldades completamente diferentes daquelas que existem na Europa. O factor do choque psicológico, do despreparo para a "realidade Angolana" por parte de muitos dos seus filhos que voltaram depois de uma longa ausência tem levado a situações pouco agradáveis. Desde sentimentos de revolta e/ou impotência a mudanças drásticas na maneira de pensar e agir (em Roma sê Romano), levando aos mais variados resultados, desde destruturação de famílias a profundas desilusões, depressões e ataques de vária ordem. A Realidade Angolana não é fácil. Não falo só dos problemas de água e luz (que a meu ver, deveriam ser a primeira preocupação a nível de infraestruturas de qualquer País que, como o nosso, aspira ao estatuto de "Gigante" continental); não falo só da sobrelotação da cidade, dos assaltos, da dificuldade de acesso a uma moradia pela esmagadora maioria dos jovens, nem das remunerações por vezes aquém das necessidades reais das pessoas que vivem na cidade mais cara do mundo (tratando-se de Luanda, que não é, como é evidente, o único "pouso" em Angola); falo antes de tudo de um choque de culturas e mentalidades, da noção do "normal" para os locais que não é a mesma de quem viveu muito tempo fora. O que anos de luta "no terreno" faz encarar um buraco na estrada, um atraso, um incumprimento profissional como coisas banais pode fazer qualquer um passar-se da marmita. A noção de pontualidade, a noção de seriedade no cumprimento do dever, a simples noção do valor do trabalho varia muito, e quem vem de fora habituado a planificar a sua vida com base no trabalho vai ter que fazer contas à vida, encontrar esquemas paralelos, negócios e biscates para "completar" o salário. 

Por tudo isto, e por uma mera questão de bom senso, ninguém, muito menos angolanos que viveram muito tempo "cortados" da realidade quotidiana do País, deveria voltar a Angola sem ter pelo menos uma ideia do que lhe espera, e dos meios que vai poder accionar para "se safar". 

Esta manhã partiu para Angola um amigo conhecido aqui em Lisboa. amizade recente, baseada em paixões comuns, interesses comuns, e sobretudo algumas semelhanças de percurso, pensamentos idealistas e vontade de contribuir com "algo concreto" para este mundo, em particular para o nosso pequeno mundo de 1.246.700 km quadrados. Desde que ele me disse que ia voltar que as nossas conversas têm girado à volta disso, do confronto de realidades, da viabilidade do projecto de vida em Angola para pessoas "como nós". Não digo isto no sentido pejorativo, mas a verdade é que o "retornado" em Luanda, sente-se-lhe o cheiro a milhas de distância. Não pela maneira de se vestir, mas pela maneira de andar, de agir, de se movimentar naquele mar infestado de predadores, onde a carne fresca é uma presa fácil. Mas como muitos de nós, esse amigo tem lá apoios, amigos, familiares que lhe vão ajudar a ultrapassar o embate primeiro, o "choque". Porque Luanda já não é aquela que eu deixei uma noite de Outubro de 1993. A vida na nossa capital deu uma volta de 180º em 20 anos, e hoje, eu reconheço precisar de guia lá dentro (e não falo geograficamente). Em todo o caso, apenas posso desejar boa sorte e coragem aos que regressaram, aos que escolheram não fazê-lo, e aos que como eu, estão a preparar-se para tal. 


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lundi 17 juin 2013

O conto das Três Cidades

Quando se ama uma cidade, quando se ama MESMO uma cidade, nunca se deixa de amar. Quaisquer que sejam as circunstâncias, que nos levam a sair ou a voltar a ela, mesmo que ela nos apareça diferente da nossa visão ideal, nunca deixamos de ter por ela sentimentos muito fortes. Mais do que elos, autênticas teias de aço que fazem dela nossa Mãe. Falo das cidades que conheci e de quem sou Filho, de quem serei sempre. Tenho três Mães geográficas, cada uma delas minha à sua maneira. Cada uma delas um marco na minha vida. Cada uma delas tem alegrias e lágrimas, descobertas e momentos de suster a respiração. A beleza pode até estar nos olhos de quem vê; nesse caso, vejo-as perfeitas. Sei bem que não, mas que Filho seria eu se não me mentisse, pensando que são? 





Não me perguntem qual delas prefiro, seria como ter que escolher entre a mão ou o pé esquerdo, entre ver e ouvir. Posso viver sem, mas não quero, e não vou, porque as carrego para toda a parte. 



Mãe que me nasceste, Mãe que me ensinaste, Mãe que me revelaste. Luanda, Lisboa, Paris. Qual delas a mais bela? Qual delas a mais formosa? Qual delas contém o oxigénio mais propício ao meu ser? A ter que combinar, juntava a tua terra vermelha, as tuas sete colinas e as margens do teu Sena para formares o meu idílico Paraíso. Caminharia da Ilha de Luanda à Marginal de Belém, subindo em seguida para Montmartre ver o pôr-do-sol. Sexta feira iria do Elinga à Rue de Lappe num salto, ao som do AfroBeat e do Hip Hop na Bastille, desceria o Bairro Alto até ao Cais do Sodré, de onde um barco me levaria para o Mussulo para passar o fim de semana nas águas límpidas da minha infância. 

Da Fortaleza de São Miguel ao Castelo de São Jorge, imponentes castelos que povoei nos meus sonhos, e nos quais travei épicas batalhas imaginárias, sobre os canhões, dominando a vista sobre o teu mar... Tu que não tens mar, tu que me ensinaste a preguiça dos teus graus negativos, a tua neve repentina que vira lama e verglas, gelo daqueles de escorregar e acordar prá vida. Tu que me  fascinaste com pedra e metal, com a História das tuas ruas, com as tuas Revoluções Iluminadas que mudaram o Mundo. Tu que te levantaste contra a infâmia, com cravos na lapela, no cabelo, na espingarda, tu que libertaste prisões e clamaste o teu desejo de Liberdade, e sacrificaste muitos filhos em nome dEla... 

Cidade de luta, Cidade de vagar; Cidade gigantesca, onde vivo como numa aldeia; Cidade máquina, onde me sinto um parafuso, uma formiga no meio de milhares de formigas que cospe o teu metro em Saint Lazare, preso no caos do teu tráfego que nem tu mais compreendes, mas vais empurrando, hora e meia da Major Kanhangulo ao Alvalade, juro memo, quando for grande só vou andar de mota... E quando finalmente saio do malfadado túnel do Marquês... Sob a copa das árvores da tua larga Avenida, A Avenida, cujo nome escusa de ser citado, desço a pé, mudo de ritmo, curto a tua calçada. Quanto Luxo! Ao fim do passeio, entre lojas e quiosques, o imponente obelisco marca o começo de uma nova aventura. Entre gigantescos repuxos, estátuas e jardins à la française, entre-vejo acima a tua pirâmide de vidro, controverso sinal de modernidade no seio do teu mais Histórico. Modernas as tuas estradas na Marginal, 3 faixas pra ir 3 faixas pra vir, mas só uma de cada para sair e espairecer na Barra do Kwanza, comer uma mariscada regada de Cuca.

Como vês, não sei escolher, escolhi não te distinguir, és todas numa só, és a minha história e as minhas estórias, minha Mãe, minha Filha, meus Espíritos Santos,  por vezes loucos e insanos. A Vida fez vos minhas, o meu coração adoptou-vos. E a cada dia que passa me convenço mais que, quando se ama uma cidade, quande se ama MESMO uma cidade, nunca se deixa de amar.

lundi 28 janvier 2013

Selecção, CAN e sacrifícios necessários...



Todo mundo me diz que a minha reacção à eliminação de Angola no CAN é exagerada, desproporcionada.
"Tavas mesmo à espera que ganhássemos, mano?"
Por incrível e ingénuo que pareça, a minha resposta é SIM. Estava à espera de uma, duas, porque não três vitórias de Angola. Se estão qualificados, se as equipas são compostas de onze jogadores contra onze, porquê que temos que nos resignar a entrar para perder, a fazer mera figuração?
Pelos jogos de Angola que vi, tirei algumas ilações, muito pessoais, de um amador e amante do futebol, mero profano com um olho mais ou menos treinado por muitos anos de futebol "televisivo".

  1. a selecção não jogou para a vitória em momento algum. Dos 270 e poucos minutos que disputámos, devemos ter tido 70 bons minutos. Na segunda parte do primeiro jogo contra Marrocos (e não conseguimos marcar), e na primeira parte do último jogo contra Cabo Verde. Apesar da dominação e da vantagem que, se mantida, nos assegurava a qualificação, não fomos capazes de ser solidários até ao fim. Um jogo de futebol dura 90min (+ descontos), não 50min. Parar de jogar a esse momento contra uma equipa motivada, organizada e mobilizada é sentença de morte. E pra quem viu o jogo, isto só não acabou 3-1 por muita sorte à mistura;
  2. a selecção REAGIU em vez de AGIR, mostrando alguma vontade e capacidade aquando do último jogo, em que, mesmo se ganhasse, estava dependente do resultado do outro jogo do grupo. Agora eu pergunto-me: será que era mesmo necessário esperar tanto tempo para ACORDAR??? Mais uma vez digo e repito, apesar de dolorosa, não há qualquer vergonha na derrota, desde que justa, e desde que se tenha o sentimento que se fez tudo para a contrariar. Não que as derrotas angolanas tenham sido injustas, longe disso. Mas ficou a certeza de que os jogadores não deram tudo. Essa certeza tive-a quando vi a primeira parte do jogo contra Cabo Verde. Se tivessem pressionado daquela maneira desde o primeiro minuto do primeiro jogo, se os laterais tivessem defendido e criado perigo em contra-ataque nos dois primeiros jogos como fizeram naqueles 45 minutos, então Angola teria abordado o terceiro jogo com outras contas, com outras possibilidades... É o síndroma do estudante que deixa as revisões para a véspera do exame, depois passa uma noite em claro a tentar integrar a matéria toda. Estamos a falar de profissionais, de jogadores que são pagos para jogar futebol, de jogadores que carregam a Palanca ao peito. 

O Embaixador de Angola em Portugal disse há tempos que "todos os angolanos devem ser Embaixadores de Angola no mundo". Todos nós temos a responsabilidade de ser o melhor que podemos, de dar a melhor imagem possível das nossas capacidades e competências. Mais ainda o deve fazer mais e melhor quem carrega o emblema nacional no peito, sob o olhar do mundo. Não foi o que aconteceu neste CAN. Muito me perdoem os visados, mas EU não tive a impressão de ser dignamente representado por aqueles jogadores. 



Angola atravessou muitas adversidades, guerra, falta de tudo e mais alguma coisa, e mesmo assim, mostrámos durante décadas uma postura íntegra em alguns sectores do desporto, e com poucos ou nenhuns meios, transformámos pequenas vitórias em grandes conquistas. Hoje, com mais desafogo, com melhorias constantes de condições para a prática e enquadramento do desporto no País, esperava-se uma profissionalização a todos os níveis, e um grau de exigência muito maior comparativamente ao período de guerra. Ora temos constatado um declínio até em disciplinas onde apesar de tudo brilhávamos. O verão passado foi pesaroso para mim, amante de basket, não ver a nossa selecção senior masculina nos Jogos Olímpicos de Londres; depois do esforço que foi a qualificação para o Mundial de Futebol de 2006 (quatro anos depois da obtenção da paz), sonhei que nos içaríamos com mais regularidade até ao topo das quadras Continentais, e disputaríamos o primeiro Mundial africano... Também não aconteceu... É algo frustrante saber que o investimento financeiro é crescente, os meios são cada vez mais acessíveis,  e o desempenho declina a olhos vistos...


Eu não exijo que Angola esteja sempre presente, nem seja campeã a cada edição; apenas que haja mais ambição, mais perseverança, mais construção a longo prazo, que haja um PROJECTO que não se resuma a encher bolsos e promover compadres para cargos de chefia que dão acesso a regalias (viagens, valores, patrocínios, etc). O desporto hoje em dia é extremamente profissionalizado, temos que ter consciência disso, e adaptar as nossas instâncias dirigentes e estruturas de enquadramento se quisermos algum dia brilhar na cena desportiva internacional. Mas acima de tudo, Federação, equipa técnica, jogadores, adeptos, todos temos que ter a obsessão da vitória, a vontade de sacrifício e solidariedade, como os 300 espartanos que seguiram Leonidas para uma morte certa nas Termópilas. Todos eles pereceram, mas não sem terem dado até à última gota de suor e de sangue. E foi o sacrifício destes 300 que deu tempo ao mundo Grego de se organizar e posteriormente impedir a invasão Persa. 


Precisamos de um Leonidas, de um líder incontestável, ouvido, respeitado e com um projecto, com uma visão a longo prazo. Precisamos do apoio incondicional dos "Sábios" da Federação, que devem ser pessoas do mundo do desporto, que compreendam os desafios por dentro e por fora. Temos que compreender que sacrifícios terão de ser consentidos para preparar o desporto angolano de amanhã. Que rolem as cabeças inertes, que oferecem resistência a uma real evolução do nosso desporto. E acima de tudo, precisamos de guerreiros. Conscientes da sua missão. Prontos a perecer sem qualquer hesitação. Pelo emblema. Pela bandeira. Pela Nação.