Mais uma vez, e para não variar, as notícias vindas de Luanda são preocupantes e tristes. Manifestações, violência, provocação, intimidação. desinformação. Sobretudo desinformação. Entre os orgãos noticiosos que se revelam mudos e outros que reportam com sensacionalismo, ficamos sem saber onde se situa a verdade, se é que apenas uma verdade existe em situações do género. "Violência policial", "manifestações ilegais", "resposta justificada", "tentativa de tumulto", "detenções arbitrárias", "desaparecimento de manifestantes"... Manipula-se o número de manifestantes, uns minimizando, outros exagerando; especula-se sobre o número de vítimas, o seu estado, o paradeiro de alguns, a identidade dos "instigadores da violência", uns dizem bater para manter a ordem, outros dizem ripostar a violência arbitrária e institucionalizada...
Prezo muito a apolitização do meu blog, e penso ter a capacidade de escrever sobre assuntos de sociedade que a todos dizem respeito sem receber um rótulo. Espero de antemão que não me acusem de estar a fazer política "disfarçada", porque, se o tema que abordo é usado e recuperado para fins políticos por inúmeras pessoas e grupos, eu contento-me de partilhar a minha opinião. Ao fim ao cabo, tudo é, directa ou indirectamente, política. A nossa postura de cidadãos, a expressão das nossas opiniões ou o contributo que damos (ou não) para melhorar uma situação que nos incomoda, revolta ou com que simplesmente discordamos, É POLÍTICA. A nossa pertença a um grupo familiar, categoria socio-profissional, o nosso local de residência, É POLÍTICA. Todos estes elementos, por mais que nos pareçam naturais e desprovidos de qualquer revindicação, definem sem pensarmos sequer, a nossa posição na sociedade, e aquilo que lutamos para preservar ou mudar. Se eu viver num lugar onde tenho água e luz todos os dias, tiver um emprego que me permita sustentar o meu lar condignamente e fazer planos para o futuro, boas escolas para os meus filhos, se tiver, em suma, um nível de estruturação máximo, que razões terei eu para manifestar?
Lembro-me que em França, nos tempos em que lá estudava, havia muitas greves de professores em zonas onde os liceus tinham uma grande falta de meios materiais e humanos, em zonas onde as dificuldades sociais eram bastante acentuadas. Do alto dos meus 15 ou 16 anos, lembro-me ter tido a seguinte reflexão: "é normal que o meu liceu não faça greve, aqui não temos problemas". Tínhamos excelentes professores, excelentes instalações, uma biblioteca internacional riquíssima (onde lia o Herald Tribune para ver os resultados da NBA), um ginásio próprio (quando muitos liceus usavam os municipais, e deparavam-se com problemas de calendário de utilização dos mesmos). Aquelas greves não eram nada connosco. Por esta simples reflexão, sem dar por isso tomei uma posição. Muito mais tarde, muitas greves depois (vive la France!) e após muita, muita reflexão e alguma experiência de vida, compreendi a complexidade da situação, e o porquê de alguns se tornarem solidários com situações que (ainda) não lhes tocavam directamente. Porque o cerne da questão é esse: vermos uma injustiça, onde quer que ela seja, e virar a cara, dizendo: "não é nada comigo" é de certa forma darmos o nosso aval para que ela continue.
Mas voltemos à nossa querida Angola. De há uns anos pra cá, tem crescido a expressão de um descontentamento com a situação social de muitos cidadãos no nosso País. Esta expressão tem passado, maioritariamente e no caso que interessa aqui analisar, por manifestações, que se querem de cariz pacífico. Manifestações previstas e enquadradas pelo Artigo 47 da Constituição da República de Angola. Quer se queira quer não, as manifestações têm acontecido. é um facto. O Problema é que têm sido marcadas por episódios violentos, que uns imputam aos outros e vice-versa. Os "revus", cujas revindicações contra o Governo no Poder vão quase sempre no sentido de exigir a substituição do Presidente da República, acusam a polícia e grupos "mandados" de darem início às hostilidades, de forma a discreditá-los, e justificar a resposta, já que um dos pressupostos para que estas manifestações aconteçam dentro da legalidade é que elas sejam pacíficas; a polícia acusa os "revus" de serem desordeiros, e terem no seu seio pessoas com comportamentos perigosos e nada pacíficos, que dão início aos confrontos e os obrigam a responder para manter a paz e ordem no espaço público. E com este jogo de atribuição de culpas em forma de espiral infinita, não se apuram verdades, não se resolvem problemas, não se credibiliza nem um lado nem o outro. E quem perde é o povo angolano.
A este ponto, já pouco ou nada me interessa quem tem razão ou quem está errado. Esta situação não beneficia a absolutamente ninguém. Não vamos construir uma Angola nova se não tivermos todos a mente aberta para a diversidade de situações existentes. Existem situações sociais muito difíceis. Existe um grande fosso entre os ricos e os pobres, e a indignação destes é legítima e normal. Existe uma camada da população que se sente negligenciada, excluída dos planos de crescimento e desenvolvimento do País; que espera mais, muito mais do Executivo em termos de infraestruturas, saúde, educação. Muitos contestam as escolhas feitas em matéria de investimento, já que estimam que as necessidades mais elementares devem ser as primeiras a receber resposta. Por outro lado, Angola só está verdadeiramente em Paz desde 2002. Angola sofreu com a guerra muitos e graves abalos a todos os níveis, seja nas infraestruturas, capital humano, capacidade de produção. O que tem sido feito, por pouco que pareça ser, tem contribuido para melhorar as condições de vida dos angolanos. E é nesse sentido que temos que levar a carruagem, todos. Cada um contribuindo como pode, com o que pode. Cada um fazendo a sua parte, cada um trazendo a sua capacidade e força de vontade, numa óptica de real união e construção de um futuro melhor para todos.
As carências do nosso País hoje são muitas, e uma das principais, a meu ver, é a de capacidade de escuta. De tão habituados que estamos a viver num esquema de bi-polarização mais imposto do que natural, não encaramos o presente doutra maneira. É o "ou estás comigo ou contra mim". Não há espaço para o "temos ideias, experiências e visões diferentes, mas se queremos o mesmo para o País, vamos tentar unir esforços". Eu não sou apologista da voz única, nem da conivência que leva ao status quo e à estagnação. Mas convenhamos que o diálogo de surdos não faz avançar em nada o País em direcção a uma resolução eficaz e concertada dos problemas.
Enquanto não nos soubermos ouvir, enquanto não soubermos construir pontes em vez de muros, enquanto não formos capazes de nos pôr no lugar de outrem e conferir alguma legitimidade às suas revindicações, sejam elas quais forem... Enquanto o diálgo se limitar à troca de acusações, insultos, galhardetes e baixezas, e não admitirmos sequer analisar a hipótese posta pelo oponente... Então seremos sempre marionetas em mãos alheias. Marionetas nas mãos daqueles que conseguirem plantar ideias na nossa mente, no nosso subconsciente amedrontado por atrocidades recentes, cometidas por irmãos contra irmãos... Marionetas nas mãos de potências que avançam escondidas, mas com objectivos bastante definidos, usando o conhecimento que têm de nós, e que por vezes nos falta. O caminho ainda é longo antes de podermos dialogar; pois o diálogo pressupõe OUVIR ANTES DE FALAR. FALAR COM CONHECIMENTO DE CAUSA. ANALISAR O QUE SE OUVE E PESAR O QUE SE DIZ, COMO SE DIZ, A QUEM SE DIZ.
Se formos dialogar com medo de ferir susceptibilidades, ficarão coisas por dizer. Se formos com vontade de rebentar tudo e todos, faltará a melhor forma, que fará com que a mensagem seja ouvida, compreendida, assimilada. Mas antes de tudo, o que nós, angolanos, temos que compreender é que, pouco importa o que nos separa em termos políticos, sociais, económicos, étnicos ou religiosos, não devemos nunca perder de vista que o que nos une é - ou deveria ser -superior a tudo isso. É o nosso cantinho na terra. É a terra dos nossos antepassados. É este milhão duzentos e quarenta e seis mil e setecentos quilómetros quadrados de terra onde temos o DEVER de cohabitar harmoniosamente. É a nossa Nação, o nosso País, a nossa Mãe e Mãe das nossas Mães. Nunca devemos esquecer nos nossos pequenos confrontos, quão grande já é nem quão grande pode ainda vir a ser a NOSSA ANGOLA. Só depende de nós.
Se formos dialogar com medo de ferir susceptibilidades, ficarão coisas por dizer. Se formos com vontade de rebentar tudo e todos, faltará a melhor forma, que fará com que a mensagem seja ouvida, compreendida, assimilada. Mas antes de tudo, o que nós, angolanos, temos que compreender é que, pouco importa o que nos separa em termos políticos, sociais, económicos, étnicos ou religiosos, não devemos nunca perder de vista que o que nos une é - ou deveria ser -superior a tudo isso. É o nosso cantinho na terra. É a terra dos nossos antepassados. É este milhão duzentos e quarenta e seis mil e setecentos quilómetros quadrados de terra onde temos o DEVER de cohabitar harmoniosamente. É a nossa Nação, o nosso País, a nossa Mãe e Mãe das nossas Mães. Nunca devemos esquecer nos nossos pequenos confrontos, quão grande já é nem quão grande pode ainda vir a ser a NOSSA ANGOLA. Só depende de nós.
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