vendredi 20 septembre 2013

Considerações Muito Pessoais Sobre a Minha Angola

Mais uma vez, e para não variar, as notícias vindas de Luanda são preocupantes e tristes. Manifestações, violência, provocação, intimidação. desinformação. Sobretudo desinformação. Entre os orgãos noticiosos que se revelam mudos e outros que reportam com sensacionalismo, ficamos sem saber onde se situa a verdade, se é que apenas uma verdade existe em situações do género. "Violência policial", "manifestações ilegais", "resposta justificada", "tentativa de tumulto", "detenções arbitrárias", "desaparecimento de manifestantes"... Manipula-se o número de manifestantes, uns minimizando, outros exagerando; especula-se sobre o número de vítimas, o seu estado, o paradeiro de alguns, a identidade dos "instigadores da violência", uns dizem bater para manter a ordem, outros dizem ripostar a violência arbitrária e institucionalizada... 

Prezo muito a apolitização do meu blog, e penso ter a capacidade de escrever sobre assuntos de sociedade que a todos dizem respeito sem receber um rótulo. Espero de antemão que não me acusem de estar a fazer política "disfarçada", porque, se o tema que abordo é usado e recuperado para fins políticos por inúmeras pessoas e grupos, eu contento-me de partilhar a minha opinião. Ao fim ao cabo, tudo é, directa ou indirectamente, política. A nossa postura de cidadãos, a expressão das nossas opiniões ou o contributo que damos (ou não) para melhorar uma situação que nos incomoda, revolta ou com que simplesmente discordamos, É POLÍTICA. A nossa pertença a um grupo familiar, categoria socio-profissional, o nosso local de residência, É POLÍTICA. Todos estes elementos, por mais que nos pareçam naturais e desprovidos de qualquer revindicação, definem sem pensarmos sequer, a nossa posição na sociedade, e aquilo que lutamos para preservar ou mudar. Se eu viver num lugar onde tenho água e luz todos os dias, tiver um emprego que me permita sustentar o meu lar condignamente e fazer planos para o futuro, boas escolas para os meus filhos, se tiver, em suma, um nível de estruturação máximo, que razões terei eu para manifestar? 

Lembro-me que em França, nos tempos em que lá estudava, havia muitas greves de professores em zonas onde os liceus tinham uma grande falta de meios materiais e humanos, em zonas onde as dificuldades sociais eram bastante acentuadas. Do alto dos meus 15 ou 16 anos, lembro-me ter tido a seguinte  reflexão: "é normal que o meu liceu não faça greve, aqui não temos problemas". Tínhamos excelentes professores, excelentes instalações, uma biblioteca internacional riquíssima (onde lia o Herald Tribune para ver os resultados da NBA), um ginásio próprio (quando muitos liceus usavam os municipais, e deparavam-se com problemas de calendário de utilização dos mesmos). Aquelas greves não eram nada connosco. Por esta simples reflexão, sem dar por isso tomei uma posição. Muito mais tarde, muitas greves depois (vive la France!) e após muita, muita reflexão  e alguma experiência de vida, compreendi a complexidade da situação, e o porquê de alguns se tornarem solidários com situações que (ainda) não lhes tocavam directamente. Porque o cerne da questão é esse: vermos uma injustiça, onde quer que ela seja, e virar a cara, dizendo: "não é nada comigo" é de certa forma darmos o nosso aval para que ela continue. 

Mas voltemos à nossa querida Angola. De há uns anos pra cá, tem crescido a expressão de um descontentamento com a situação social de muitos cidadãos no nosso País. Esta expressão tem passado, maioritariamente e no caso que interessa aqui analisar, por manifestações, que se querem de cariz pacífico. Manifestações previstas e enquadradas pelo Artigo 47 da Constituição da República de Angola. Quer se queira quer não, as manifestações têm acontecido. é um facto. O Problema é que têm sido marcadas por episódios violentos, que uns imputam aos outros e vice-versa. Os "revus", cujas revindicações contra o Governo no Poder vão quase sempre no sentido de exigir a substituição do Presidente da República, acusam a polícia e grupos "mandados" de darem início às hostilidades, de forma a discreditá-los, e justificar a resposta, já que um dos pressupostos para que estas manifestações aconteçam dentro da legalidade é que elas sejam pacíficas; a polícia acusa os "revus" de serem desordeiros, e terem no seu seio pessoas com comportamentos perigosos e nada pacíficos, que dão início aos confrontos e os obrigam a responder para manter a paz e ordem no espaço público. E com este jogo de atribuição de culpas em forma de espiral infinita, não se apuram verdades, não se resolvem problemas, não se credibiliza nem um lado nem o outro. E quem perde é o povo angolano. 

A este ponto, já pouco ou nada me interessa quem tem razão ou quem está errado. Esta situação não beneficia a absolutamente ninguém. Não vamos construir uma Angola nova se não tivermos todos a mente aberta para a diversidade de situações existentes. Existem situações sociais muito difíceis. Existe um grande fosso entre os ricos e os pobres, e a indignação destes é legítima e normal. Existe uma camada da população que se sente negligenciada, excluída dos planos de crescimento e desenvolvimento do País; que espera mais, muito mais do Executivo em termos de infraestruturas,  saúde, educação. Muitos contestam as escolhas feitas em matéria de investimento, já que estimam que as necessidades mais elementares devem ser as primeiras a receber resposta. Por outro lado, Angola só está verdadeiramente em Paz desde 2002. Angola sofreu com a guerra muitos e graves abalos a todos os níveis, seja nas infraestruturas, capital humano, capacidade de produção. O que tem sido feito, por pouco que pareça ser, tem contribuido para melhorar as condições de vida dos angolanos. E é nesse sentido que temos que levar a carruagem, todos. Cada um contribuindo como pode, com o que pode. Cada um fazendo a sua parte, cada um trazendo a sua capacidade e força de vontade, numa óptica de real união e construção de um futuro melhor para todos.

As carências do nosso País hoje são muitas, e uma das principais, a meu ver, é a de capacidade de escuta. De tão habituados que estamos a viver num esquema de bi-polarização mais imposto do que natural, não encaramos o presente doutra maneira. É o "ou estás comigo ou contra mim". Não há espaço para o "temos ideias, experiências e visões diferentes, mas se queremos o mesmo para o País, vamos tentar unir esforços". Eu não sou apologista da voz única, nem da conivência que leva ao status quo e à estagnação. Mas convenhamos que o diálogo de surdos não faz avançar em nada o País em direcção a uma resolução eficaz e concertada dos problemas. 

Enquanto não nos soubermos ouvir, enquanto não soubermos construir pontes em vez de muros, enquanto não formos capazes de nos pôr no lugar de outrem e conferir alguma legitimidade às suas revindicações, sejam elas quais forem... Enquanto o diálgo se limitar à troca de acusações, insultos, galhardetes e baixezas, e não admitirmos sequer analisar a hipótese posta pelo oponente... Então seremos sempre marionetas em mãos alheias. Marionetas nas mãos daqueles que conseguirem plantar ideias na nossa mente, no nosso subconsciente amedrontado por atrocidades recentes, cometidas por  irmãos contra irmãos... Marionetas nas mãos de potências que avançam escondidas, mas com objectivos bastante definidos, usando o conhecimento que têm de nós, e que por vezes nos falta. O caminho ainda é longo antes de podermos dialogar; pois o diálogo pressupõe OUVIR ANTES DE FALAR. FALAR COM CONHECIMENTO DE CAUSA. ANALISAR O QUE SE OUVE E PESAR O QUE SE DIZ, COMO SE DIZ, A QUEM SE DIZ.

Se formos dialogar com medo de ferir susceptibilidades, ficarão coisas por dizer. Se formos com vontade de rebentar tudo e todos, faltará a melhor forma, que fará com que a mensagem seja ouvida, compreendida, assimilada. Mas antes de tudo, o que nós, angolanos, temos que compreender é que, pouco importa o que nos separa em termos políticos, sociais, económicos, étnicos ou religiosos, não devemos nunca perder de vista que o que nos une é - ou deveria ser -superior a tudo isso. É o nosso cantinho na terra. É a terra dos nossos antepassados. É este milhão duzentos e quarenta e seis mil e setecentos quilómetros quadrados de terra onde temos o DEVER de cohabitar harmoniosamente. É a nossa Nação, o nosso País, a nossa Mãe e Mãe das nossas Mães. Nunca devemos esquecer nos nossos pequenos confrontos, quão grande já é nem quão grande pode ainda vir a ser a NOSSA ANGOLA. Só depende de nós.

jeudi 5 septembre 2013

O (Tardio) Despertar Do Continente Africano



Sou angolano e amante de basquetebol. Por esta razão, os sucessos sucessivos da selecção nacional masculina foram, para mim como para milhões de angolanos, a árvore que esconde a floresta. Os títulos continentais foram vividos com imensa alegria e orgulho por Angola e o conjunto dos países lusófonos, mas a verdade crua e nua é bem mais aterradora do que gostaríamos: o basquete africano está mal. Alguns me dirão que exagero, tendo em conta uma série de condições que, evidentemente, influenciam a capacidade de cada Federação e equipa nacional a profissionalizar-se.


Não obstante qualquer argumento do género, o basquete africano ainda está muito balbuciante, quando teve tempo, oportunidade e momento para se tornar adulto, e assumir a sua inevitável ascensão para o concerto das nações, da mesma forma que já acontece com o futebol.
Tomemos como exemplo a selecção de Angola, a mais emblemática de África durante o último quarto de século. Desde 1989, data da sua primeira vitória no Afrobasket, os Palancas venceram 11 dos 13 campeonatos continentais em que participaram. Sucederam-se gerações de jogadores que fizeram por aplicar a filosofia instaurada ainda nos anos 80 por Vitorino Cunha, então treinador da selecção. Este compreendeu desde cedo que, com jogadores regra geral mais pequenos do que os adversários, Angola devia concentrar os seus esforços numa defesa agressiva e solidária, construindo os seus ataques a partir desta base sólida. Com a aplicação rigorosa deste princípio, e a aparição de alguns talentos individuais notáveis como Jean-Jacques da Conceição, Miguel Lutonda, Joaquim “Kikas” Gomes ou Carlos Morais, o resultado foi visível: 11 títulos continentais, 6 participações aos Mundiais, e 5 aos Jogos Olímpicos. 


 Porém, à medida que o tempo passou, notou-se na melhor equipa africana dos últimos anos (e a fortiori nas suas congéneres) uma dificuldade a ultrapassar um patamar a nível internacional. A melhor qualificação recente de uma equipa africana foi o décimo lugar obtido por Angola no Mundial de 2006 (se não contarmos o 5º lugar do Egipto em 1950, num formato de torneio a 10 equipas); Chegados aos 8º de Final, os Palancas foram derrotados por uma equipa de França que estava ao seu alcance, e com a qual fizeram jogo igual até aos últimos minutos do último quarto, inclinando-se 68-62 num jogo que provocou taquicardia a muitos adeptos, angolanos e franceses… Desconcentração nos minutos derradeiros, acumulação de jogadas individuais para tentar “resolver” o jogo, nervosismo, e finalmente, razões para lamentar que, depois de 15 anos a frequentar regularmente a nata do basquete mundial, se perca um jogo daquela maneira.


Dia 31 de Agosto de 2013, Angola venceu o seu 11º título de campeão africano sénior masculino de basquete. O Resultado final foi 57-40. Além do simples resultado, das vitórias, o que me pareceu mais marcante tanto para Angola como para o conjunto das equipas que vi jogar, foi a ingenuidade táctica. Poucas jogadas pareciam construídas, e nas que o eram, a selecção de lançamentos era amiúde precipitada; a circulação de bola em equipas como Angola é quase obrigatória, mas a Nigéria, que contava com jogadores fisicamente muito potentes, contentou-se de um run-n’-gun que desgastou os adversários mais fracos e morreu diante de adversários melhor organizados. Os lançamentos de três pontos foram usados de maneira abusiva, e mesmo equipas com bons atiradores acabaram os jogos com percentagens aquém das suas reais capacidades.


Tendo isto sido dito, não quero que o leitor fique com a impressão que foi tudo uma catástrofe, e que não existe basquetebol de qualidade em África. Existe E MUITO! Como prova o número crescente de jogadores africanos em clubes europeus e americanos. Alguns deles, como Al Faruq Aminu, Hasheem Thabit, Bismack Biyombo, apesar de terem papéis secundários nas suas equipas NBA, gozam de uma aura positiva nas selecções nacionais, e podem ter um papel importante na transmissão de valores profissionalizantes aos seus colegas. Tal como no futebol, foi preciso haver muitos jogadores africanos a evoluir nos melhores campeonatos europeus para as selecções nacionais beneficiarem dessa experiência e crescerem. No basket, desporto menos publicitado, menos apoiado, envolvendo menos dinheiro em relação ao futebol, este processo está a demorar, mas é quanto a mim inevitável. As federações, os dirigentes desportivos, as equipas técnicas têm que se dar os meios de ser ambiciosos. Mais ambiciosos. Mais do que têm sido até hoje. Para que em breve, se passe de 3 a 6 equipas a participar no Mundial. Para que exista uma verdadeira diversidade, paridade e competitividade no basquete mundial.


( Crédito imagem: "The African Basketball Player", by MrBaid3n. http://www.deviantart.com/art/The-African-Basketball-Player-216638647 )