mardi 26 juin 2012

"Xé mana Maria..." Dadão, choro de um Povo



As pessoas nunca entenderam a minha "obsessão" com o Dadão. Desde que ouvi pela primeira vez, passou-se algo; e passado o efeito de piada, pus-me a ouvir. De novo. E de novo. Com atenção. Esta música básica, na letra e na melodia, dizia algo mais do que aquele sotaque "risível" inspirava. 

A forma, deliberadamente simplista, não se sobrepõe ao fundo. Dá-lhe, muito pelo contrário, alguma "atractividade" (adoro barbarismos!); de tão binário, o ritmo fica instantaneamente na cabeça; de tão populares as expressões, estas imprimem-se, tornando-se a repetição um leitmotiv, tal qual um coro de tragédia grega anunciando o funeste desenlace.

"Corre corre coooooorre cooooorre... larga o negócio... vai pra casa... chama-o ti Joaquim para vir aqui... é o Dadão! É o Dadão! toda hora... O Dadão..."  

É realmente de partir o côco a rir!!! Mas além disso, o que é o Dadão? Uma narrativa. O cantor, anónimo, é uma testemunha directa dos eventos da vida do Dadão, que levam a mana Maria a correr para cima e para baixo. O filho ora está doente, ora porta-se mal na escola, ora anda em más companhias... Tudo isto nos é apresentado num crescendo dramático e cronológico, sem indicação de tempo, mas com clara evolução de anos entre cada um dos 3 episódios narrados. E que culmina da forma mais trágica, a morte da personagem-título. 

Título mas não principal, a meu ver. Pois Dadão é sempre citado, contado, advertido, chorado, mas nunca é actor. Ouve-se falar do que ele faz e do que lhe acontece... Mas não é a ele que se dirige a música. É à mana Maria. A esta Mãe sofrida, obrigada a abandonar o duro ofício para acudir o filho, ou constatar o resultado das acções do mesmo. O ti Joaquim, o Pai, é uma personagem coadjuvante, mas é a mana Maria, que para mim simboliza todas as Mães angolanas (e por extensão, a própria Angola) que vai de um lado para o outro, que "corre corre corre", que chora no "doutorê", que desfalece ao ouvir a notícia da morte do Dadão... 

Dadão é o fruto de uma sociedade doente; é uma criança que, apesar do esforço sobre-humano da Mãe para manter a família, pô-lo na escola, lutar por um futuro melhor, acaba por escolher o mau caminho. A Mãe luta, vende, e depreende-se que leva esta batalha avante quase sozinha, pois o ti Joaquim aparece vindo não se sabe de onde, quase tão espectador quanto o narrador. No terceiro e último quadro, este até lhe dita a conduta, prova da passividade deste Pai na vida e morte do Dadão. 

Dadão cresceu na rua, nas ruas do musseque, onde o banditismo lhe apareceu como uma solução para obter aquilo que, noutras circunstâncias, apenas poderia ver nas mãos de outrem. Dadão começou por roubar bolinhos às colegas no recreio e dinheiro da mala da professora, acabou a assaltar bancos. Esta realidade não tem nada de engraçado, pelo contrário. É um dos maiores dramas da Angola pós guerra, da Luanda actual, dos meninos de rua, dos grupos de delinquentes, da resposta sem piedade das autoridades que, incapazes de jugular o mal, de o pegar pela raíz, vão abatendo Dadãos pontualmente... Dadão é a história de uma Angola sofredora que, depois de enterrar os seus filhos por causa da guerra, continua a enterrá-los por causa da miséria social e humana, que faz com que se mate sem pestanejar por 1000 kwanzas ou menos... Dadão é o choro do povo Angolano, que depois de 10 anos de Paz, ainda se depara com situações destas no quotidiano. Dadão é vítima da não redistribuição equitativa das riquezas desta terra, do fosso cada dia maior entre os muito ricos e os condenados à nascença, Dadão é o que eu, tu, todos nós seríamos se as nossas manas Marias (Mães) e ti Joaquins (Pais) não tivessem tido condições diferentes para nos dar o simples computador em que abrimos o youtube para rirmos do Dadão. Esquecendo-nos que se trata de um requiem...

"Dadão" não é uma música politizada, é um retrato realista e sem concessões, é um triste  resumo de uma existência que a muitos indifere. Dadão levou este choro de Angola ao palco do Pedro Nzagi, às casas da "boa sociedade angolana", aos rádios dos jipes com ar condicionado que pululam na nossa capital, às discotecas de Luanda e até de Lisboa. Sempre em título de piada. Ao ponto de o seu interprete ter perdido a sua identidade, sendo muitas vezes chamado Dadão. A identificação é total, sinal de que o símbolo é   realmente potente. Poucos são os que sabem que na verdade, o jovem se chama Ézio. 

Dadão é um alarme contra a indiferença, que nos avisa que, se nela permanecermos, Angola/ mana Maria ainda vai chorar muitos dos seus filhos... 

"Dadão uafu. Dadão uafu. Dadão uafu. Dadão uaaaaaaaaaaaafuuuuuuuu..."

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