lundi 17 janvier 2011

Camisola sem cunho procura identidade desportiva...

(Renard -raposa em francês- e Puma já se retiraram. Restam as palancas indefesas face aos apetites de outros predadores...)


Junho 2006. Mundial de Futebol Alemanha. Momento mais alto do futebol angolano. A selecção Nacional participou na festa, depois de ter conseguido qualificar-se com esforço notório e mérito. Apesar de termos saído na primeira volta da fase final do torneio, o desempenho dos nossos Palancas foi bastante honroso. O Primeiro jogo contra Portugal foi perdido por inexperiência e um certo nervosismo. Os empates contra o México e sobretudo contra o Irão deixaram-nos algo frustrados, mas confiantes de que havia ali margem para progresso, e quem sabe, um dia participaríamos regularmente no Campeonato mais visto em todo o planeta.

Janeiro 2010. Depois de laboriosas fases de qualificações para o Mundial na África do Sul, Angola não conseguiu a sua passagem para a Primeira Copa disputada no Continente. Resta-nos o prémio de consolação, a organização da Copa de África das Nações. Como País anfitrião, tivemos o povo todo atrás de nós, de Cabinda ao Cunene, Angola vibrou futebol! Infelizmente, depois da qualificação para a segunda fase da competição, perdemos num jogo de eliminação directa contra os Ghaneenses, finalistas dessa edição. Porém, mesmo nos jogos da primeira fase, em particular no jogo contra o Mali, pôde-se identificar algumas lacunas no jogo angolano. Desconcentração, falta de rigor defensivo (um jogo em que se está a ganhar por 4-0 a 30 minutos do fim, acabar 4-4 é pura e simplesmente uma DERROTA!) e sobretudo uma ligação difícil entre as linhas defensivas e ofensivas. Um meio campo deficiente no futebol de hoje não perdoa, e contra o Ghana, foi fatal.

Janeiro 2011. Depois de um ano de 2010 atribulado (3 treinadores, Manuel José, Hervé Renard e Zeca Amaral, dois dos quais sairam por não ver as suas exigências junto da Federação satisfeitas), a Selecção de Angola de Futebol conhece enfim o nome do seleccionador que os vai tentar levar ao próximo CAN: Lito Vidigal. O porquê desta instabilidade parece ser uma grande desorganização da Federação Angolana de Futebol, a incapacidade desta de mobilizar os seus meios de maneira a optimizar as diferentes fases de construção de um futebol Nacional à altura das ambições claramente e abertamente declaradas. Detecção de talentos, centros de formação equipados, formação de técnicos, o que reverteria a médio prazo na melhoria do nível de competitividade do campeonato nacional. E quem diz competitividade, diz vontade de dar o seu melhor, de se superar, de evoluir. Na falta de tal, a equipa nacional deixa de suscitar entusiasmo, e isso reflecte-se nas audiências, nos debates gerados à volta dela.



Último golpe duro para os Palancas: a Puma não renovou o contrato que os unia, alegando vendas insuficientes de produtos com a efígie da Palanca. Se mesmo em tempo de euforia máxima, com o mundial e o CAN organizado a domicílio, foi difícil para a marca vender os seus produtos por causa da contrafacção existente no País, com uma equipa a atravessar uma crise desportiva, não se podia esperar milagres. Em 2006, comprei em Paris a camisola de Angola numa loja Puma. A pura. Original. acredito que os preços praticados pela Puma comparados com os 5 dólares a que se vendiam as cópias na rua também não ajudaram. Mas a verdade é que, enquanto não se vir o futebol em Angola como algo SÉRIO, inclusive em termos de receitas (já que, se todo mundo não é adepto de desporto, todos falamos a língua do dinheiro!), vamos ter sempre um Campeonato Nacional incapaz de rivalizar com os melhores do continente, e uma equipa Nacional sem expressão ou identidade desportiva, à mercê de mercenários e/ou curiosos, que ouvindo a fama dos petro-dólares de Luanda, vêem na oportunidade de treinar os Palancas um meio de enriquecimento expresso! Vamos lá ter mais amor à camisola, e dar ao futebol angolano a sua chance de sair do chão para atingir, ou pelo menos aproximar-se das estrelas...

mardi 11 janvier 2011

O preço de um melão, parte II


(para ler a mensagem, clique na imagem)


Que diferença entre "Infelizmente não podemos fazer milagres" e esta resposta, rabinho entre as pernas, quase desolado por ser "obrigado" por 7 clientes que só consomem deste melão, a importá-lo, pouco importem os custos... Coitadinho dele, que só quer agradar o cliente...

Isto apenas demonstra que este tipo de gente só respeita quem se faz respeitar, e por isso temos que nos fazer respeitar mais do que nunca!

Senhor Catalo, ao seu caso havemos de voltar...

lundi 10 janvier 2011

o preço de um melão, sintoma de um mal mais profundo...


Para quem é angolano, pensa em kwanzas, esta foto é chocante. Para quem não sabe o câmbio, aqui vai: 9803 Kwanzas equivale a pouco mais de 100 USD.

Chocado pelo preço exorbitante de um mero melão, um internauta escreveu para a Casa dos Frescos, estabelecimento onde foi tirada a foto aqui acima, perguntando o porquê do mesmo.
Assim começou uma novela cujo fim ainda está por escrever. Aqui vão os primeiros capítulos:

Estimado senhor Catalo,

Faço parte dos muitos angolanos que, preocupados com a qualidade de certos produtos de consumo, essencialmente alimentares, encontram na loja dos frescos uma alternativa em aparência viável. Os preços são por vezes ligeiramente, por vezes bastante superiores aos praticados em outros estabelecimentos da capital angolana, mas muitos de nós nos dizemos: "é o preço da tranquilidade, da segurança de ter produtos à altura das nossas expectatitvas". Num país que viveu tantos anos com enormes privações devido ao contexto político-militar, foi sempre uma preocupação da classe média à qual pertenço não baixar por demais a fasquia no que diz respeito à qualidade do que consumimos. Encontra-se nos mercados da cidade produtos mais ou menos frescos, mais ou menos bons, porém, não temos sempre uma fiabilidade sobe a proveniência, uma traçabilidade total do produto.

Nesse contexto, alguns de entre nós, para os produtos mais sensíveis, optam por fazer um esforço financeiro suplementar para ter essa tranquilidade de espírito.
Porém, há limites. Há limites no que se pode impôr aos consumidores, em termos de preços, sob pretexto que a qualidade fala por si. Não sou o primeiro, sei disso, a dirigir-me a si a propósito do "melão de ouro". Tive mesmo acesso à sua resposta a uma das pessoas que lhe escreveu a interrogá-lo sobre o porquê de um preço tão elevado por um melão. Se me permite, retomo aqui na íntegra a sua explicação:

«Sr A_________

Junto envio os custos do “melão de ouro”

Melão casca de Carvalho de AlmeirimEuro
Custo em Portugal1,88€
Frete TAP7,8€
9,68Euro
9,68 x 1,35 = 13,07 usd per KG = CIF
CIF13,07
Direitos +custos despacho3,27
16,34Custo em armazém
1,63Peso de embalagem "paletes e caixas" 10%
17,97Preço liquido em armazém

Margem 33,5%
Preço de venda 24usd / kg = 2352kz / kg

Agora ainda não estão incluídos os custos de embalagens local nem a possibilidade de quebra do produto (que é alta), pergunto, 33.5% é alto para um produto que é perecível????

Agradeço o reenvio de este e-mail com os custos do “melão de ouro” a quem enviou este e-mail.

Infelizmente não conseguimos fazer milagres.

Melhores cumprimentos

Rui Catalo»

Sr. Catalo,

A sua explicação detalhada do preço do melão, apesar de aparentemente justificada, não me convenceu. Primeiro por causa da sua manipulação ardilosa de valores e cifras. começa por preços em euros, para preços em dolares, seguido de valores sem cifra... sem, a momento nenhum apresentar as taxas de conversão correspondentes. se é assim que apresenta as suas contas, espanta-me que não tenha tido problemas com a fiscalização mais cedo.

Admitindo que se tratem de números exactos, o senhor como comerciante aceita de bom grado investir na importação de um produto que acaba por custar ao cliente angolano 40 vezes mais do que lhe custou a si? acha coerente esta lógica económica? (claro que acha, vendendo um melão recupera o investimento na compra e importação de 5, logo, tudo o que vem depois disso é lucro puro!!!)

Senhor Catalo, o seu procedimento, o seu raciocínio faz nos pensar que sim, o senhor consegue fazer milagres, pois a multiplicação exponencial dos seus lucros (e quem fala de um melão poderia falar de muitos outros produtos sobre avaliados no seu estabelecimento) é algo de absolutamente fora do comum! Mas a culpa não é sua, o senhor aproveita as falhas, e aninhou-se numa anfractuosidade do sistema que lhe permite praticar tais preços em total desprezo pelas leis da concorrência, pois sabe que a SUA clientela não vai prescindir do seu estabelecimento.

A culpa é nossa, consumidores angolanos, que, por querermos um minimo de garantias no respeitante à qualidade dos produtos que consumimos, principalmente tratando-se de perecíveis, estamos à mercê de mercenários como o senhor, que vê em nós e muito justamente uma fonte de enriquecimento rapidíssima! Continue a fazer o que faz (não lhe ocorreu importar melões de mais perto, a custos menos importantes, afim de poder satisfazer o seu bolso e o dos seus clientes... que, se satisfeitos, VOLTARÃO!) mas tenha pelo menos a decência de não achar que está a lidar com analfabrutos, que com par de palavrinhas e cálculos de apoticário, põe no "devido lugar". Mal sabia o senhor que estava a mandar a sua resposta a um importador, que também se vê confrontado à dificuldade de trazer para Angola produtos de outra natureza mas com igual preocupação de qualidade.

Sr. Catalo,

Como eu, como o Sr Alexandre, há dezenas de pessoas a reagir em redes sociais, em conversas pela cidade, pelo mundo fora, pois isto é algo que choca verdadeiramente a sensibilidade de qualquer pessoa que viva do seu salário, que tenha noção do que custa ganhar 100 dolares para os gastar de uma vez num perecível, num mero e simples melão que lhe custa 1,88€... Sei que compreende a nossa indignação, pois se hoje é importador, um dia já foi mero consumidor, e já barafustou para com os seus botões contra o custo da vida, contra a discrepância entre os aumentos dos preços e a pouca valorização do TRABALHO em Angola, que a poucos e raros permite viver com dignidade e algum desafogo. Se teve o privilégio de nunca ter tido esse "problema de pobre", certamente há de conhecer alguém que o tenha vivido. Não lhe peço "milagres". Não lhe peço mudanças, pois o senhor está inserido numa lógica económica que, enquanto funciona, e enquanto não lhe são pedidas contas por quem de direito quanto ao preço que pratica por um melão (seja ele um senhor melão de 4 kgs!), não tem razões para mudar. Quero apenas dizer-lhe que, como eu, como os demais a quem chegou e fiz chegar a informação sobre o "melão de ouro", há toda uma franja da poulação, activa, honesta, trabalhadora, sacrificada, que não quer continuar a sofrer os efeitos desta especulação sem nome, de que certamente não é o único culpado, mas um cúmplice e beneficiário.

Espero que esta mensagem lhe chegue clara e límpida, na certeza porém de que ela não comporta qualquer animosidade dirigida à sua pessoa, apenas retrata o sentimento de muitos angolanos em relação ao que se passa no nosso País.

Cordialmente,

RB

jeudi 6 janvier 2011

Caipirinhas, Bairro Alto e Noites de Inverno...







Certas coisas dispensam comentários e longos discursos. Lisboa. Bairro Alto. Rua da Atalaia. nº43. A Capela. Paulo Flores e Eduardo Paim. Um grupo de jovens angolanos, que cresceram ao som destes dois gigantes da música angolana. Conexão à terra. Comunhão pela música. MAGIA!



lundi 3 janvier 2011

Sangue no algodão, katana na mão...


"Oh! Pátria nunca mais esqueceremos
Os heróis do 4 de Fevereiro
Oh! Pátria nós saudamos os teus filhos
Tombados pela nossa independência (...)"

Angola Avante, Hino Nacional da República de Angola


Durante o período colonial, Angola era um "país" exportador de café e algodão. Eram mesmo os seus principais recursos naturais, a exploração de petróleo e diamante tendo sido deliberadamente "contida" por Portugal. A região de Malange, rica em solos férteis e de clima ameno, era um dos principais pólos de produção destas duas matérias primas. Diz quem conheceu a bonita província nos anos 50-60 que eram cafezais sem fim, campos de algodão até onde a vista pudesse alcançar... A linha de caminho de ferro Luanda - Malange encarregava-se de escoar a mercadoria até à capital, de onde era exportada para todo o mundo. Na altura, a Cotonang era bem mais poderosa que a Diamang. O peso económico da primeira era incomparável ao da que posteriormente se tornou a Endiama, hoje um dos pilares que sustenta a balança comercial angolana.

Não foi, portanto, de ânimo leve, que os dirigentes da Cotonang em Kassange receberam as reivindicações dos seus trabalhadores, a 3 de Janeiro de 1961. Estes exigiam o fim do trabalho forçado, melhores condições de trabalho, tratamento humano para aqueles que quebravam o dorso na plantação para o enriquecimento alheio. Como resposta, o exército colonial dizimou o que se acredita ter sido mais de 10 000 agricultores, calando assim uma revolta que vinha no pior dos momentos; os clamores de insurreição contra outras potencias coloniais estavam no auge, e a administração acreditava que se não calasse aquele movimento a tempo, a contagião seria depois impossível de evitar. Ao tentar fazer da repressão da Baixa de Kassange um exemplo dissuasivo para outros possíveis "rebeldes", os colonos conseguiram exactamente o contrário. Organizados já em movimentos, partidos, grupos de reflexão dentro e fora do território angolano, os tão temidos "rebeldes" apenas viram nesse acto uma última confirmação de que a solução para o problema de independência e auto-determinação de Angola não seria pacífica. O sacrifício daqueles trabalhadores que pediram um pouco de Humanidade e receberam balas em retorno reforçou a motivação dos combatentes pela Liberdade. Um mês depois, a 4 de Fevereiro, deu-se o assalto à cadeia de São Paulo para libertar os prisioneiros políticos, e este foi o ponto de partida da Luta Armada de Libertação.

Na qualidade de "Jóia do Império Ultramarino Português", Angola não podia DE MANEIRA NENHUMA cair nas mãos dos "indígenas", era uma fonte de rendimento colossal que Portugal não se podia permitir perder. Foi pois "para Angola, rapidamente e em força", que foi mandado o maior contingente militar português; foi pois Angola a ex-colónia portuguesa que pagou o maior tributo em vidas humanas à guerra pela Independência. E se os movimentos já existiam desde os anos 50, foi a partir de 4 de JANEIRO de 1961 que apareceu como inevitável a guerra como meio de alcançar a tão desejada auto-determinação, e o direito de um povo de dispor dos seus desígnios, da sua terra.
O massacre da baixa de Kassange foi o primeiro episódio da última fase da Luta pela Independência das colónias portuguesas. Os heróis do 4 de Fevereiro jamais serão esquecidos. Relembremos também os de 4 de Janeiro...