lundi 17 décembre 2012

Kamba diami - os da minha aldeia mundial

Minha Angola que me pariste, Santa Mãe da minha Mãe e da Mãe da minha Mãe. Este tempo que me viste chegar a ti, no último mês da década de 70, foi um período conturbado, complicado. A independência tinha 4 anos, a guerra entre os teus filhos não cessara, e as condições de vida eram difíceis. Mesmo assim, bochechudo e cabeludo, cá estava eu. Cresci, tive a oportunidade de alargar os meus horizontes. Vivi (e vivo) longe do teu seio muito tempo. Mais de metade dos meus poucos e crí(s)ticos 33 anos. Foi se calhar o que me permitiu ter consciência da importância  que tens para mim. Não há muitos sítios nesta vida que possamos chamar genuinamente de CASA. E por entre os diferentes poisos  que tive, alguns tornaram-se habitat, mas CASA não. Pelo menos não geograficamente.

Tenho por hábito dizer que, dada a vida que tenho, feita de viagens, de mudança como principal constante, o que constitui o meu porto, a minha referência desde sempre, é a minha família. Os meus amigos de infância são os meus irmãos, primos e primas. Estivesse eu em qualquer ponto do planeta, eles eram as pessoas que me conheciam, com quem brinquei, com quem me disputei de maneira seguida e constante... Não tenho aquele melhor amigo desde o tempo da escola primária, o mais "antigo" e com quem mantenho uma relação de amizade data de há pouco menos de 20 anos. 

Hoje, adulto, fora de CASA, descobri que apesar de tudo, há muitas pessoas com quem partilho experiências, que têm um percurso similar ao meu, e que com mais ou menos à vontade, consigo considerar como "casas secundárias". Estes amigos, raros e preciosos, com quem consigo identificar-me, e criar laços fortes. "Amigos, são uma família por nós escolhida", diz o ditado. Isso faz ainda mais sentido num contexto de "expatriação", em que estamos longe da Pátria Mãe; Cria-se um sentimento de pertença, a evocação de experiências vividas por todos, de lugares e pessoas que temos comum cria um sentimento de "como é que não nos conhecemos há mais tempo?"

Amigos temos ao longo de toda a vida, e tive muitos, de todas as origens e credos, mas não há como aquele amigo que compreende sem nunca terem falado da coisa, "como é que a coisa funciona". Aquele amigo que trata a nossa Mãe por Tia, aquele amigo que à evocação de uma rua, de uma escola, de um evento aparentemente banal mas que vos marcou aos dois da mesma maneira, aquele amigo que "apanha" as referências que tu fazes a músicas, filmes, livros, momentos... Em suma, aquele amigo que te dá a impressão de reviveres aqueles tempos da meninice em Luanda, da mesma maneira que um livro do Ondjaki consegue, e que nem ESTANDO em Luanda hoje em dia se consegue...




Várias maneiras uso para manter Angola viva dentro de mim. A minha família. A comida. A música. as expressões. Hoje em dia, está tudo "partilhado", via televisão, via internet, viaja tudo pra todo o lado à velocidade da Luz. Mas uma sentada entre kambas, fora de Angola, a evocar o passado, presente e futuro, imperceptivelmente reproduzindo o esquema que sempre vimos os nossos kotas fazer... Ajuda a aguentar as muitas frustrações de uma vida que nem sempre é aquela que sonhámos, as muitas saudades daquele lugar no tempo e no espaço em que éramos felizes e não sabíamos, aquela candura das amizades antigas e duradouras, sem interesse, em que os lanches eram comuns, não nos medíamos pelo valor do que temos, mas sim pelo que partilhávamos... Tudo isso ajuda a recriar uma Casa. Um lugar seguro.

Já não tenho idade para fazer novos amigos de infância (apesar de...), e mesmo Jesus, entre os 12 bradas que o seguiam dia e noite, foi traído por um. Mas deixem-me já, amigos meus, agradecer-vos pelas contínuas demonstrações de afecto. A vida encarregar-se-à de determinar quem fica e quem não, quem volta e quem não, mas saibam que a vossa presença na minha vida é uma força tremenda. Obrigado por serem "os da minha rua". Uma rua desmaterializada, mas onde cada encontro, cada brincadeira, cada confissão, cada choro e cada riso tem um valor impossível de calcular. 

Aucun commentaire:

Enregistrer un commentaire