Os legisladores do meu país estão no século XIX. No Código Penal Português de 1886 (o que estava em vigor em Angola), estão previstas excepções à criminalização do aborto. No texto que deve ir a aprovação dia 23 de Março de 2017, essas excepções (já insuficientes, a meu ver), DESAPARECERAM. É CRIME, ponto.
Eu, como homem, não me arrogo o direito de impor a qualquer mulher o que ela deve ou não deve, pode ou não pode fazer com o seu corpo. Acho que o aborto é um procedimento suficientemente traumatizante para qualquer mulher que se veja obrigada a recorrer à prática, para que se venha CRIMINALIZAR por cima de tudo.
Ninguém aborta por desporto, nem por moda, muito menos por capricho. As circunstâncias que levam qualquer mulher a decidir pôr termo a uma vida que ainda não teve a sua chance são por demais pesadas, devemos apoiá-las, mas acima de tudo devemos fazer o máximo de prevenção, para que seja NECESSÁRIO o menos possível. Que tipo de prevenção se pode fazer pra prevenir o aborto?
- INFORMAÇÃO. Num país com uma esmagadora maioria da população analfabeta, é necessário que a mensagem seja transmitida. A contracepção pode parecer "uma evidência" para quem tem uma vivência urbana, mas Angola não são os bairros urbanos de Luanda. Sem educação sexual, planeamento familiar e disponibilização de meios contraceptivos adequados a preços abordáveis, vamos continuar à deriva.
- EDUCAÇÃO DOS HOMENS. É preciso que homens e mulheres tenham consciência das implicações que têm os seus actos nas suas vidas. Pôr um filho no mundo requer IDEALMENTE um conjunto de condições materiais, psicológicas e afectivas que nem sempre estão reunidas na maioria dos casos em Angola. Porém fuga à paternidade atingiu níveis elevadíssimos na nossa sociedade hoje, e há cada vez mais mulheres a recorrer ao aborto pois não têm os meios de trazer mais um filho ao mundo para cuidarem sozinhas. Não é um crime, é consciência. Crime seria trazer um inocente ao mundo que desde a partida estaria condenado a uma vida de sofrimento, privação e dor. Mas para os homens tomarem consciência das suas responsabilidades, têm que ser ensinados desde pequenos que têm um papel FUNDAMENTAL a desempenhar na sociedade. A ausência de figura paterna em muitos lares é uma das principais causas da crise de valores morais neste país.
- AUMENTO DA SEGURANÇA. As mulheres são, com as crianças, os alvos mais frequentes de agressões de todo o género, e em particular sexual. Ora, eu não percebo como é que alguém que já tenha sofrido um dos piores tormentos que se possa imaginar, pode ser ainda condenada por não querer carregar para sempre a marca desta violação. Se a nossa sociedade fosse mais segura, se se conseguisse conter os agressores sexuais e pô-los fora de condições de agir de maneira PERMANENTE, talvez houvesse menos necessidade de abortos por esta razão hedionda. Mas é mais fácil bater na vítima do que encontrar e punir o agressor.
Depois destes pontos "resolvidos", ainda assim, toda a mulher deveria poder exercer um direito fundamental, o da LIBERDADE DE ESCOLHA. Pode até ter as condições materiais, psicológicas e afectivas, um parceiro pronto a cumprir com o seu papel (e não "ajudar" como se estivesse a fazer um favor), e decidir que não é o momento. É A SUA ESCOLHA.
Digo desde já que se esta lei for para a frente, as mulheres que realmente precisarem não vão deixar de abortar. Vão é recorrer a meios clandestinos, que esses nunca deixarão de existir. Vão pôr a saúde e a vida em perigo, mas vão preferir arriscar do que assumir uma responsabilidade PARA O RESTO DA VIDA para a qual não se sentem preparadas.
Senhoras e senhores legisladores, por favor, avancem para o século XXI, parem com a hipocrisia, deixem de olhar para os vossos umbigos e pensar que só os vossos modos de vida existem ou interessam. Existem neste país realidades que, por sinal, não vos passam pela cabeça. Não tornem a vida das nossas mulheres mais complicada do que ela já é.
Senhoras e senhores deputados, façam prova de bom senso. Deixem de lado o falso moralismo hipócrita que abunda por esta cidade fora, e pensem nos dramas de vida que esta lei vai provocar e/ou agravar caso seja adoptada
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Senhoras e senhores deputados, façam prova de bom senso. Deixem de lado o falso moralismo hipócrita que abunda por esta cidade fora, e pensem nos dramas de vida que esta lei vai provocar e/ou agravar caso seja adoptada
Atenciosamente,
Um marido, pai, filho, irmão, primo, sobrinho, amigo muito preocupado...