lundi 1 juillet 2013

O Melhor Sítio do Mundo

O melhor sítio do mundo é o meu quarto. Mais, o melhor sítio do mundo é o Meu Quarto de Infância. Aquele onde transformava os meus medos em quimeras, o edredon em fortaleza intransponível. As paredes tinham a imensidão do Universo, e cada lápis desarrumado era uma história que se escrevia sozinha.  Mesmo partilhado, o Meu Quarto de Infância era o meu território, com fronteiras que só eu compreendia. Em dias de Paz, a partilha era total, as brincadeiras infinitas, mesmo depois do apagar da luz. Quando não, levantava a ponte levadiça e refugiava-me no meu forte, numa torre bem alta, num quarto no fundo do meu quarto dentro do Meu Quarto de Infância. E o espaço tornava-se infinito, e o mundo tomava outros contornos, e resumia-se àquele reduto. 



O melhor sítio do mundo é o Meu Quarto de Infância. E apesar de ter tido muitos, eram todos o mesmo, pois eu reproduzi-o exactamente idêntico, portanto nunca igual, sempre em expansão, quaisquer que fossem as superfícies reais. Não tive o meu quarto sozinho antes dos 20 e muitos anos, logo, tive que me habituar a transportá-lo comigo um pouco para além da infância. Um quarto silencioso, onde reinavam os meus rascunhos, autênticos storyboards da minha vida interior. Cultivei esse hábito, dos rascunhos, dos cadernos de rabiscos, de escritos e devaneios, até os tornar digitais, partilhando-os em blogs, sob uma forma mais "polida" do que aquilo que me permitia quando criança. Mas nunca me desfiz daquilo que mantém o meu quarto de infância intacto. A capacidade de me maravilhar com uma frase, com uma imagem, com uma ideia, e desenrolar o fio até obter algo meu, que me ocupa a mente, que me aquece o peito, e não me deixa esquecer que o quarto, hoje casa, vida, trabalho, responsabilidades, apesar de partilhado com um número incalculável de pessoas e complexidades, não deixou de ser só meu. 

A razão pela qual é o Melhor Sítio do Mundo é porque dentro dele eu posso ser eu mesmo, eu posso ser todos os meus eus! O EU heróico, capaz de todas as bravuras deste mundo, de enfrentar os piores monstros desta vida; o EU assustado, que precisa da protecção calorosa das muralhas dos lençóis, para não ver ou sentir a loucura do mundo lá fora; o EU arrogante, com a certeza própria à infância de ser único e inimitável, com a segurança e confiança naturais ao dono e Senhor do Domínio quase infinito sobre o qual reino; o EU sensível, apaixonado pelo ideal do amor, que se refugia no desenho, na música, na leitura, na introspecção, julgando-se ímpar num mundo  onde as crianças queriam ser adultos muito rápido... 

Algures em mim, está uma porta que me conduz directamente ao Meu Quarto de Infância. Ainda hoje não conheço a fórmula secreta, o encantamento que me catapulta para dentro dele. Um sentimento mais intenso, um medo mais irracional, um segredo que só a mim ouso revelar, e eis-me de novo no meio dos meus brinquedos (antes legos, hoje gadgets), cortado do mundo, enrolado como um feto, reescrevendo o meu prontuário emocional. É um lugar seguro, reconfortante, onde nada me atinge senão a imensidão do meus gritos interiores. E uma vez calados, redesenhados, esmiuçados... volto a pisar terra firme, embriagado da Paz que só a minha ilha deserta me proporciona. Volto ao mundo real, ao mundo dos loucos, que de tão lúcido, me querem fazer acreditar que o louco sou eu...

O Melhor Sítio do Mundo é o Meu Quarto de Infância. Que saudades, mas que saudades do meu...

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(Porque por vezes, quase sempre, a inspiração nos vem dos lugares mais insólitos... Pena que não é  MESMO sempre!)




A Hora do Regresso

É uma pergunta recorrente entre os angolanos fora do País: "quando é que voltas pra banda?"
A mim foi me feita vezes sem conta. Em Paris. Em Lisboa. Em Luanda. A verdade é que o movimento migratório inverteu-se estes últimos 11 anos, e mais ainda nos últimos 6 anos. "O País está bom!", "Volta já, não estás aí a fazer nada!", "A hora de apanhar os bons empregos é agora!"



Tudo isto são argumentos bastante válidos para convencer os muitos angolanos pelo mundo fora que o momento é este. Que o País, apesar das dificuldades que ainda tem, está mais capaz de absorver os seus filhos, e sem garantir, pelo menos propor mais oportunidades de trabalho e realização pessoal do que nos anos de guerra, em que se vivia um dia de cada vez. Em Angola hoje é possível sonhar, a economia vai de vento em poupa, somos o destino de eleição de muito expatriado, alguns até com veleidades um pouco fantasistas, julgando alcançar ali um El Dorado cujos contornos não são assim tão evidentes. E num contexto mundial de crise, onde o estrangeiro onde quer que seja, e sobretudo africano, é visto como o causador de todos os males, aquele que veio "roubar o pão dos Europeus" para falar de situações que conheço, é até uma questão de resgatar alguma dignidade, este retorno à terra que é nossa, onde, bem ou mal, estamos em casa.


Mas a verdade é que todo o angolano que viveu muito tempo longe do País, não deixou de viver. E como tal criou laços, algumas raízes, hábitos, amigos, família... Por isso não devemos, apesar de a tentação ser grande, tomar a parte pelo todo, e achar que existe uma fórmula para voltar para o País em três etapas. Cada um sabe o passivo que tem que gerir para esse regresso se passar da melhor maneira, pois será uma ruptura, quer se queira quer não; cada um sabe a que ritmo tem que o fazer, as condições que tem ou que conseguirá criar no País par voltar a construir uma vida do zero com alguma estabilidade, sobretudo que vai ter que se deparar com dificuldades completamente diferentes daquelas que existem na Europa. O factor do choque psicológico, do despreparo para a "realidade Angolana" por parte de muitos dos seus filhos que voltaram depois de uma longa ausência tem levado a situações pouco agradáveis. Desde sentimentos de revolta e/ou impotência a mudanças drásticas na maneira de pensar e agir (em Roma sê Romano), levando aos mais variados resultados, desde destruturação de famílias a profundas desilusões, depressões e ataques de vária ordem. A Realidade Angolana não é fácil. Não falo só dos problemas de água e luz (que a meu ver, deveriam ser a primeira preocupação a nível de infraestruturas de qualquer País que, como o nosso, aspira ao estatuto de "Gigante" continental); não falo só da sobrelotação da cidade, dos assaltos, da dificuldade de acesso a uma moradia pela esmagadora maioria dos jovens, nem das remunerações por vezes aquém das necessidades reais das pessoas que vivem na cidade mais cara do mundo (tratando-se de Luanda, que não é, como é evidente, o único "pouso" em Angola); falo antes de tudo de um choque de culturas e mentalidades, da noção do "normal" para os locais que não é a mesma de quem viveu muito tempo fora. O que anos de luta "no terreno" faz encarar um buraco na estrada, um atraso, um incumprimento profissional como coisas banais pode fazer qualquer um passar-se da marmita. A noção de pontualidade, a noção de seriedade no cumprimento do dever, a simples noção do valor do trabalho varia muito, e quem vem de fora habituado a planificar a sua vida com base no trabalho vai ter que fazer contas à vida, encontrar esquemas paralelos, negócios e biscates para "completar" o salário. 

Por tudo isto, e por uma mera questão de bom senso, ninguém, muito menos angolanos que viveram muito tempo "cortados" da realidade quotidiana do País, deveria voltar a Angola sem ter pelo menos uma ideia do que lhe espera, e dos meios que vai poder accionar para "se safar". 

Esta manhã partiu para Angola um amigo conhecido aqui em Lisboa. amizade recente, baseada em paixões comuns, interesses comuns, e sobretudo algumas semelhanças de percurso, pensamentos idealistas e vontade de contribuir com "algo concreto" para este mundo, em particular para o nosso pequeno mundo de 1.246.700 km quadrados. Desde que ele me disse que ia voltar que as nossas conversas têm girado à volta disso, do confronto de realidades, da viabilidade do projecto de vida em Angola para pessoas "como nós". Não digo isto no sentido pejorativo, mas a verdade é que o "retornado" em Luanda, sente-se-lhe o cheiro a milhas de distância. Não pela maneira de se vestir, mas pela maneira de andar, de agir, de se movimentar naquele mar infestado de predadores, onde a carne fresca é uma presa fácil. Mas como muitos de nós, esse amigo tem lá apoios, amigos, familiares que lhe vão ajudar a ultrapassar o embate primeiro, o "choque". Porque Luanda já não é aquela que eu deixei uma noite de Outubro de 1993. A vida na nossa capital deu uma volta de 180º em 20 anos, e hoje, eu reconheço precisar de guia lá dentro (e não falo geograficamente). Em todo o caso, apenas posso desejar boa sorte e coragem aos que regressaram, aos que escolheram não fazê-lo, e aos que como eu, estão a preparar-se para tal. 


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