O melhor sítio do mundo é o meu quarto. Mais, o melhor sítio do mundo é o Meu Quarto de Infância. Aquele onde transformava os meus medos em quimeras, o edredon em fortaleza intransponível. As paredes tinham a imensidão do Universo, e cada lápis desarrumado era uma história que se escrevia sozinha. Mesmo partilhado, o Meu Quarto de Infância era o meu território, com fronteiras que só eu compreendia. Em dias de Paz, a partilha era total, as brincadeiras infinitas, mesmo depois do apagar da luz. Quando não, levantava a ponte levadiça e refugiava-me no meu forte, numa torre bem alta, num quarto no fundo do meu quarto dentro do Meu Quarto de Infância. E o espaço tornava-se infinito, e o mundo tomava outros contornos, e resumia-se àquele reduto.
O melhor sítio do mundo é o Meu Quarto de Infância. E apesar de ter tido muitos, eram todos o mesmo, pois eu reproduzi-o exactamente idêntico, portanto nunca igual, sempre em expansão, quaisquer que fossem as superfícies reais. Não tive o meu quarto sozinho antes dos 20 e muitos anos, logo, tive que me habituar a transportá-lo comigo um pouco para além da infância. Um quarto silencioso, onde reinavam os meus rascunhos, autênticos storyboards da minha vida interior. Cultivei esse hábito, dos rascunhos, dos cadernos de rabiscos, de escritos e devaneios, até os tornar digitais, partilhando-os em blogs, sob uma forma mais "polida" do que aquilo que me permitia quando criança. Mas nunca me desfiz daquilo que mantém o meu quarto de infância intacto. A capacidade de me maravilhar com uma frase, com uma imagem, com uma ideia, e desenrolar o fio até obter algo meu, que me ocupa a mente, que me aquece o peito, e não me deixa esquecer que o quarto, hoje casa, vida, trabalho, responsabilidades, apesar de partilhado com um número incalculável de pessoas e complexidades, não deixou de ser só meu.
A razão pela qual é o Melhor Sítio do Mundo é porque dentro dele eu posso ser eu mesmo, eu posso ser todos os meus eus! O EU heróico, capaz de todas as bravuras deste mundo, de enfrentar os piores monstros desta vida; o EU assustado, que precisa da protecção calorosa das muralhas dos lençóis, para não ver ou sentir a loucura do mundo lá fora; o EU arrogante, com a certeza própria à infância de ser único e inimitável, com a segurança e confiança naturais ao dono e Senhor do Domínio quase infinito sobre o qual reino; o EU sensível, apaixonado pelo ideal do amor, que se refugia no desenho, na música, na leitura, na introspecção, julgando-se ímpar num mundo onde as crianças queriam ser adultos muito rápido...
Algures em mim, está uma porta que me conduz directamente ao Meu Quarto de Infância. Ainda hoje não conheço a fórmula secreta, o encantamento que me catapulta para dentro dele. Um sentimento mais intenso, um medo mais irracional, um segredo que só a mim ouso revelar, e eis-me de novo no meio dos meus brinquedos (antes legos, hoje gadgets), cortado do mundo, enrolado como um feto, reescrevendo o meu prontuário emocional. É um lugar seguro, reconfortante, onde nada me atinge senão a imensidão do meus gritos interiores. E uma vez calados, redesenhados, esmiuçados... volto a pisar terra firme, embriagado da Paz que só a minha ilha deserta me proporciona. Volto ao mundo real, ao mundo dos loucos, que de tão lúcido, me querem fazer acreditar que o louco sou eu...
O Melhor Sítio do Mundo é o Meu Quarto de Infância. Que saudades, mas que saudades do meu...
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(Porque por vezes, quase sempre, a inspiração nos vem dos lugares mais insólitos... Pena que não é MESMO sempre!)