lundi 17 juin 2013

O conto das Três Cidades

Quando se ama uma cidade, quando se ama MESMO uma cidade, nunca se deixa de amar. Quaisquer que sejam as circunstâncias, que nos levam a sair ou a voltar a ela, mesmo que ela nos apareça diferente da nossa visão ideal, nunca deixamos de ter por ela sentimentos muito fortes. Mais do que elos, autênticas teias de aço que fazem dela nossa Mãe. Falo das cidades que conheci e de quem sou Filho, de quem serei sempre. Tenho três Mães geográficas, cada uma delas minha à sua maneira. Cada uma delas um marco na minha vida. Cada uma delas tem alegrias e lágrimas, descobertas e momentos de suster a respiração. A beleza pode até estar nos olhos de quem vê; nesse caso, vejo-as perfeitas. Sei bem que não, mas que Filho seria eu se não me mentisse, pensando que são? 





Não me perguntem qual delas prefiro, seria como ter que escolher entre a mão ou o pé esquerdo, entre ver e ouvir. Posso viver sem, mas não quero, e não vou, porque as carrego para toda a parte. 



Mãe que me nasceste, Mãe que me ensinaste, Mãe que me revelaste. Luanda, Lisboa, Paris. Qual delas a mais bela? Qual delas a mais formosa? Qual delas contém o oxigénio mais propício ao meu ser? A ter que combinar, juntava a tua terra vermelha, as tuas sete colinas e as margens do teu Sena para formares o meu idílico Paraíso. Caminharia da Ilha de Luanda à Marginal de Belém, subindo em seguida para Montmartre ver o pôr-do-sol. Sexta feira iria do Elinga à Rue de Lappe num salto, ao som do AfroBeat e do Hip Hop na Bastille, desceria o Bairro Alto até ao Cais do Sodré, de onde um barco me levaria para o Mussulo para passar o fim de semana nas águas límpidas da minha infância. 

Da Fortaleza de São Miguel ao Castelo de São Jorge, imponentes castelos que povoei nos meus sonhos, e nos quais travei épicas batalhas imaginárias, sobre os canhões, dominando a vista sobre o teu mar... Tu que não tens mar, tu que me ensinaste a preguiça dos teus graus negativos, a tua neve repentina que vira lama e verglas, gelo daqueles de escorregar e acordar prá vida. Tu que me  fascinaste com pedra e metal, com a História das tuas ruas, com as tuas Revoluções Iluminadas que mudaram o Mundo. Tu que te levantaste contra a infâmia, com cravos na lapela, no cabelo, na espingarda, tu que libertaste prisões e clamaste o teu desejo de Liberdade, e sacrificaste muitos filhos em nome dEla... 

Cidade de luta, Cidade de vagar; Cidade gigantesca, onde vivo como numa aldeia; Cidade máquina, onde me sinto um parafuso, uma formiga no meio de milhares de formigas que cospe o teu metro em Saint Lazare, preso no caos do teu tráfego que nem tu mais compreendes, mas vais empurrando, hora e meia da Major Kanhangulo ao Alvalade, juro memo, quando for grande só vou andar de mota... E quando finalmente saio do malfadado túnel do Marquês... Sob a copa das árvores da tua larga Avenida, A Avenida, cujo nome escusa de ser citado, desço a pé, mudo de ritmo, curto a tua calçada. Quanto Luxo! Ao fim do passeio, entre lojas e quiosques, o imponente obelisco marca o começo de uma nova aventura. Entre gigantescos repuxos, estátuas e jardins à la française, entre-vejo acima a tua pirâmide de vidro, controverso sinal de modernidade no seio do teu mais Histórico. Modernas as tuas estradas na Marginal, 3 faixas pra ir 3 faixas pra vir, mas só uma de cada para sair e espairecer na Barra do Kwanza, comer uma mariscada regada de Cuca.

Como vês, não sei escolher, escolhi não te distinguir, és todas numa só, és a minha história e as minhas estórias, minha Mãe, minha Filha, meus Espíritos Santos,  por vezes loucos e insanos. A Vida fez vos minhas, o meu coração adoptou-vos. E a cada dia que passa me convenço mais que, quando se ama uma cidade, quande se ama MESMO uma cidade, nunca se deixa de amar.