Neste grande Circo das relações humanas, cada um de nós tem o seu papel. O da socialização é para mim um dos mais interessantes a analisar e a representar.
Sendo um recém chegado a esta cidade de Lisboa, que conheço desde sempre mas aprendo a redescobrir cada dia, frequentar pessoas novas é nada menos do que uma questão de sobrevivência social. Tendo voluntariamente limitado as interacções com pessoas do meu círculo profissional fora do quadro a isso reservado, precisava de um terreno de acção diferente. e foi aquando de uma das minhas já habituais peregrinações ao Bairro Alto que, no meio da multidão anónima, num grupo de amigos de amigos, numa noite de verão tão igual a tantas outras, me deparei com um sorriso. Com O SORRISO. Sorriso franco, sorriso aberto, sorriso verdadeiro, sorriso luminoso... um SORRISO maiúsculo! Daqueles sorrisos que nos põem à vontade, daqueles sorrisos sem malícia de alguém que sorri com gosto. Daqueles sorrisos contagiosos, encantadores, que salvam vidas. UM SORRISO. Um sorriso feminino, mas isso não vem ao caso... Um sorriso cheio de charme, mas não é isso o mais importante... Um sorriso acolhedor, um sorriso sereno, um sorriso como um convite à partilha, um sorriso permanente numa noite fugaz... Um sorriso com o qual eu conversei, de nada em particular, mas fiquei com a impressão de que tudo foi dito num sorriso... As minhas palavras nunca teriam a força, o alcance, a simplicidade, a beleza daquele sorriso. Um sorriso, foi tudo o que foi preciso para me reconciliar com a Humanidade! AFINAL AINDA EXISTEM PESSOAS CAPAZES DE SORRIR ASSIM!!!
Cinco minutos mais tarde perdia eu o sorriso de vista, afogado no movimento incessante da multidão no labirinto do Bairro. Avançávamos para o próximo bar, para o próximo grupo de amigos de amigos, para a próxima aventura, para o próximo encontro no próximo canto da próxima rua... Ficou porém em mim a convicção de que esse sorriso salvou algo em mim, restabeleceu em mim a fé vacilante nas coisas simples da vida, e na importância que elas podem ter para nos fazer avançar. E como tenho consciência do carácter aleatório e fugaz de um encontro dessa natureza, não pude deixar de agradecer ao sorriso por se ter estampado naquele rosto, naquele momento, naquela noite de verão que ele participou grandemente a iluminar...
"Meu sorriso é um teste à resistência
um exercício de paciência
neste ensaio da sobrevivência"
Keita Mayanda, in "Sorriso Angolano", do álbum "Nós os do Conjunto"